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Médicas estão a caminho de serem maioria, mas ganham menos do que médicos

Enquanto a medicina se torna uma profissão cada vez mais feminina, um estudo mostra que médicas brasileiras ganham menos do que seus colegas homens mesmo trabalhando em condições semelhantes.

A conclusão está em pesquisa de cinco pesquisadores da USP publicada na semana passada no periódico acadêmico BMJ Open.

A partir de um levantamento telefônico, eles mapearam salários e condições de trabalho, como local, carga horária e especialidade, de uma amostra de 2.400 médicos representativa do país em 2014.

Constataram que 80% das mulheres se concentram nas três categorias inferiores de remuneração da profissão, de um total de seis. Entre os homens, essa proporção é de 50,8%.

Os dados mostram ainda que elas trabalham mais no SUS (Sistema Único de Saúde), estão mais presentes na atenção primária e fazem menos plantões, enquanto eles dominam as especialidades cirúrgicas e têm mais representantes na faixa etária a partir de 60 anos.

Para analisar a diferença de remuneração, os pesquisadores aplicaram um modelo estatístico que isolou esses fatores. O resultado mostra que, ainda assim, a disparidade persiste. A chance de um homem estar na faixa mais elevada de salário é de 17,1%; entre as mulheres, de 4,1%.

“Mesmo após ajustes de variáveis que poderiam influenciar nos ganhos, médicas ganham menos que médicos. O fato de existir discriminação salarial na medicina mostra que nem em grupo de mulheres de maior escolaridade elas estão afastadas da desigualdade presente na sociedade”, diz Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP e um dos autores do estudo, ao lado de Guilia Mainardi, Alex Cassenote, Aline Guilloux e Bruno Miotto.

Constatações semelhantes já haviam sido encontradas em estudos de outros países, como os Estados Unidos. No Brasil, o mesmo já foi visto em pesquisas sobre outras profissões.

A desigualdade salarial acontece em um contexto de feminização da medicina no Brasil. Enquanto os homens dominam as faixas etárias mais avançadas, elas já são maioria nas faculdades e entre os profissionais de até 34 anos. De acordo com o estudo Demografia Médica 2018, elas são 57,4% da faixa etária de até 29 anos na categoria —na de 70 anos ou mais, apenas 20,5%.

Para Denize Ornelas, médica de família e secretária geral do Simesp (Sindicato dos Médicos de São Paulo), apesar da presença numericamente crescente, os espaços de poder não se abrem no mesmo ritmo, o que pode influenciar a remuneração.

“A maioria dos diretores de hospital é homem, assim como os de faculdade e os de órgãos públicos. Não à toa, nunca tivemos uma ministra da Saúde”, afirma.

Ela aponta uma certa pressão para que médicas escolham especialidades mais ligadas à mulher e à infância. “Somos vistas como pessoas mais ligadas ao cuidado, o que é um estereótipo.”

De fato, uma comparação entre as especialidades deixa evidente a disparidade de gênero. Homens são apenas 25,2% dos pediatras, mas 91,4% dos neurocirurgiões.

Diana Santana, 36, é uma das exceções. Mulher, negra e mãe de gêmeos, ela queria ser pediatra quando era criança, mas desenvolveu ao longo do tempo um interesse cada vez maior por neurociência, que aumentou na faculdade.

“Estudei piano desde cedo e gostava de fazer bijuteria. Queria unir esse interesse em neurociência com as minhas habilidades manuais.”

Ela conta que, em uma das seleções para a residência, estranhou a pergunta de um dos entrevistadores: “Você pensa em ter filhos?”. “Ele me perguntou coisas que tinham como base o fato de eu ser mulher, não tinham a ver com a minha carreira acadêmica, minhas habilidades, meu currículo. Eram duas vagas, e fiquei em terceiro.”

Foi aprovada na USP e diz não ver problema algum em conciliar a neurocirurgia com a vida em família —nesse caso, com participação igual do marido, frisa.

“Existe essa cultura muito antiga de que as mulheres especificamente devem ter um tempo para o trabalho e um para ficar em casa, mas é uma construção social. Cabe a nós desconstruir.”

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