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Prefeito doa 17 terrenos a correligionários e volta atrás após protestos

Faltava pouco menos de um mês para as eleições municipais deste ano quando o prefeito de Mucugê, Cláudio Manoel Luz (PSD), resolveu doar 17 terrenos da cidade, localizada na Chapada Diamantina, para alguns de seus correligionários, entre eles secretários de Educação, Turismo, Saúde e Administração e outros funcionários da prefeitura. As decisões só foram publicadas neste mês no Diário Oficial do Município, mas os títulos foram concedidos em outubro. A situação foi denunciada nas redes sociais por um grupo de moradores e resultou numa pressão que fez o gestor anular as concessões na última quarta-feira (23).

Entre os 17 terrenos que Manoel Luz tentou doar, 13 foram numa região muito valorizada de Mucugê, na entrada do distrito turístico, com vista para a bela Serra do Sincorá. Trata-se de uma grande área pública à beira da rodovia BA 142, na localidade da Cidade Nova, que foi rateada em lotes de 1.000m² e 1.250m², totalizando 14.000m² doados. De acordo com moradores, cada lote pode valer de R$ 200 mil a R$ 500 mil.

Além desta área, também entraram no bolo outros três terrenos na localidade da Praça Santa Isabel, na região da Cidade Monumento, todos com mais de 230m². Nos documentos divulgados, as concessões foram justificadas pelo fato de os recebedores “já possuírem como seus” os terrenos. Fora esses, diversos outros bens foram doados. O CORREIO reuniu apenas os casos em que as pessoas têm vínculo com a prefeitura.

Os beneficiados foram Marilene Oliveira Santos Bastos, secretária de Educação, Euvaldo Ribeiro Júnior, secretário de Administração, Igor Teles Silva, secretário de Saúde, Tiago de Souza Profeta, secretário de Cultura e Turismo, Adão Adeson Luz Freitas, tesoureiro, Ivânia da Silva Sousa Reis, chefe do setor de Recursos Humanos, Neiva Martins Rocha, irmã do vice-prefeito (Luiz Antônio Martins).

Também ganharam títulos Janício Cardoso Filho, auxiliar administrativo, Luis Bazílio Novaes Ribeiro, candidato a vereador não eleito e irmão do secretário Euvaldo, Marcelo Santos Silva (Marcelo de Tidinho), vereador eleito pelo PSD, Emília da Silva Araújo e Mônica Rocha do Carmo, assessora especial.

Dos 17 terrenos doados, apenas 14 atos foram cancelados. Os nomes de Luis Bazílio, Carlos Alberto e Edinaldo não constam na lista dos que tiveram os títulos das terras anulados.

Conforme consta nos documentos, as doações foram embasadas na Lei 13.465/2017, que dispõe sobre regularização fundiária rural e urbana. Estas regularizações foram feitas com o tipo Reurb-E, de interesse específico, que é aplicado quando beneficiários não são pessoas de baixa renda. Embora a legislação brasileira proíba a distribuição de bens, valores e benefícios em anos eleitorais, há uma exceção em casos de calamidade pública e estado de emergência, como é o caso da pandemia, por exemplo.

Posicionamento da prefeitura

Procurado pela reportagem através de chamadas telefônicas e mensagem via WhatsApp, o prefeito Manoel Luz não atendeu às ligações e nem respondeu às perguntas pelo aplicativo até a publicação desta matéria. Antes, em resposta ao Jornal da Chapada, que primeiro noticiou as doações, o gestor rebateu as denúncias e disse que “as pessoas apresentaram documentos de que são possuidoras da posse desses terrenos”.

Ainda segundo ele, a administração municipal instaurou processos normais, como é feito para todos que solicitam legitimação. “Não estamos fazendo doações e nem alienação de terrenos do município, apenas e, tão somente, legitimando a posse de quem já a tem”, afirmou.

Para a anulação das certidões de posse, o prefeito considerou “o princípio administrativo da autotutela, bem como em obediência ao princípio da legalidade e da moralidade administrativa”.

Cláudio Manoel Luz tentou a reeleição para o cargo este ano, mas não conquistou eleitores suficientes para renovar o mandato. Ele teve apenas 36,6% dos votos e perdeu para a servidora pública aposentada Ana Hora Medrado (DEM), a Dona Ana, que venceu com 54,4% dos votos.

Reação de moradores

Mesmo com a anulação, moradores ligados à Associação Comercial e Turística de Mucugê estudam mover uma ação judicial para analisar a questão fundiária no município, que é tombado desde 1980 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Presidente da associação, Fred Matt conta que foi procurado pela população e uma petição online foi criada para solicitar que os órgãos responsáveis apurem a situação das áreas importantes para a identidade da cidade.

Segundo habitantes ouvidos para a matéria, a prática de doação de terrenos é antiga em Mucugê e que, historicamente, costuma acontecer ao fim do mandato dos gestores. “Só que dessa vez foi uma coisa muito perceptível, muitos terrenos e quase todos um do lado do outro, então foi fácil descobrir. Houve burburinho na cidade porque são terrenos caríssimos. A gente não sabe se está correto ou não, alguns desses devem estar, nós queremos saber”, diz Matt.

A preocupação das pessoas é porque, além de ser uma área de mata nativa, é um espaço de interesse social, onde costumam ocorrer eventos esportivos de montain bike. Fred acrescenta que, por serem tantos terrenos, o local que hoje é desocupado, sem moradores, pode se tornar um novo bairro e não há um planejamento para construções na região e nem determinações estéticas para a preservação da arquitetura histórica da cidade.

Um morador que preferiu não ser identificado aponta que é inconsistente a prefeitura doar os bens justificando que os beneficiários já os possuíam como seus. Segundo ele, não há nenhum indício de ocupação e a distribuição ameaça o sonho de montar ali um parque municipal de ciclismo. “Com essa doação, veio um sentimento de revolta porque não é a primeira vez que acontece. Não se pode sair doando terras assim a quem não precisa”, avalia.

Pelo Facebook, Fred Matt endossou: “Esses terrenos são do povo, não de privilegiados, que sejam devolvidos ao patrimônio público. Que esse tipo de ação ilegal e irresponsável nunca mais ocorra em nosso querido município”, escreveu.

Prática é comum em eleições

Advogado especialista em Direito Público, Neomar Filho explica que a doação de terrenos públicos depende, necessariamente, de uma lei que autorize essa prática. De fato, em Mucugê, um decreto instituiu, em 2019, o Programa Municipal de Regularização Fundiária. No entanto, o advogado conta que, no país, é comum que gestores públicos usem dessa prática de distribuição de imóveis e terras para conseguir continuar no poder.

“Às vezes, gestores que querem continuar no poder abusam do poder que têm, da caneta que têm. Usam a máquina em favor da sua campanha ou da sua própria pessoa. Então, vão fazer isso não pensando no interesse público, mas para benefício próprio ou em benefício de terceiros”, elucida.

Se uma investigação do ponto de vista eleitoral constatar abuso de poder político, o gestor pode perder o mandato, ter o registro eleitoral cassado e ficar inelegível por oito anos. Mas ele ainda pode sofrer ação civil pública por improbidade administrativa, caso seja detectada a desonestidade com os bens e o dinheiro público, e violação aos princípios da impessoalidade e legalidade.

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