Todos os dias que Douglas abre os olhos ao acordar e pode calçar as luvas, vestir a camisa do Bahia e fazer o que ama, ele agradece. O destino dele poderia ter sido muito diferente, já que foi por muito pouco que o goleiro escapou de um câncer.
Nascido na pequena cidade de Candelária, no interior gaúcho, Douglas, que hoje tem 29 anos, viveu a maior batalha da sua vida quando era apenas um garoto de 18. No auge da juventude, teve que trocar as festas com amigos por uma cama de hospital.
Douglas, Davi e Daiana levam vida simples e são bastante unidos (Foto: Marina Silva/CORREIO) |
“Descobri que tinha um tumor no testículo esquerdo. Eu fiquei quase um ano sem poder jogar futebol. Em princípio, era um tumor benigno. Fiz uma tomografia e descobri que precisaria operar. Quando fiz a cirurgia para retirar, os médicos descobriram que eu estava com células malignas. Foi quando me encaminharam para fazer quimioterapia”, lembra.
Apesar do susto, Douglas conta que não sentiu medo. Ainda jovem, ele não entendeu a dimensão do problema. “No meu caso, por ter células malignas, já estava evoluindo para um câncer. Precisei fazer cirurgia às pressas, porque tinha um risco de espalhar para outros órgãos. Como eu tinha 18 anos, eu não tinha noção de vida como tenho hoje. Talvez hoje, recebendo uma notícia assim, eu ficasse mais chocado, já que tenho pessoas que dependem de mim. Na época, eu levei como mais um desafio, sabe? Eu antes tinha meta de jogar profissionalmente, depois passei a ter como meta me recuperar”, explica.
O início do tratamento não foi tão agressivo. Quando Douglas achou que tiraria de letra, veio o baque: ele perdeu sete quilos, parou de se alimentar, ficou de cama e viu todos os pelos do corpo caírem, inclusive sobrancelha e cílios.
“No começo eu passei por nutricionista, psicóloga, tive todo acompanhamento. Eu tinha um cabelo grandão e loiro, e disseram que talvez não caísse. Fiquei animado, até. Fiz a primeira sessão e me senti bem. Eu até falei que não era tão forte, talvez por ter tomado três litros de soro na veia. Mas depois eu senti o quanto era forte a medicação. Eu ficava praticamente só na cama, não conseguia me alimentar com a comida rotineira. Fiquei debilitado, fraco, sem apetite, sem disposição para nada”, relata o goleiro tricolor.
Quando teve tumor, Douglas perdeu os cabelos e os pelos do rosto (Foto: Acervo pessoal) |
Pior que os cabelos, foi perder a autoestima. “Foi mais difícil do que imaginava. Fiz cinco meses de tratamento, meu cabelo caiu todo. Eu usava boné porque não tinha mais expressão facial, sem sobrancelha, sem nada. Ainda mais branquelo desse jeito (risos). Perdi sete quilos, e olha que já era franzininho”.
O assunto foi tabu na vida de Douglas durante muitos anos. Além de enfrentar a doença e lidar com as mudanças físicas, o jogador tinha vergonha do tema, por se tratar de algo tão íntimo. Hoje, ele superou e até gosta de dividir sua história.
“Na família não tinha nenhum histórico, mas depois que eu descobri o tumor, vi que várias outras pessoas já tiveram no futebol. Para o homem, às vezes é difícil de falar, por ser uma parte tão íntima. Por muito tempo eu tive vergonha, mas hoje é super tranquilo. Não sei a origem do meu tumor, mas hoje eu estou curado. Gosto de dividir o que passei até para ajudar outras pessoas. Se estou aqui hoje, é porque superei isso. Quantas pessoas não sofrem com depressão e até morrem?”, explica.
A cura
Após a cura, Douglas demorou um ano para voltar a jogar. Junto com a cura, veio uma nova dificuldade. Os médicos disseram que era praticamente impossível ele ter filhos, já que o tumor poderia ter deixado o jogador infértil. Ele não se abalou com isso quando era jovem, mas entrou em conflito já adulto. Douglas se casou com a cabeleireira Daiana em 2011 e, dois anos depois, resolveram ter um filho. E agora?
“Com dois anos de casados, decidimos que estava na hora. Ela procurou o ginecologista e explicou minha situação. Ele orientou que eu fizesse um teste de fertilidade. Aquilo mexeu muito comigo, me incomodou, criou um conflito interno, com a minha própria fé. Eu me questionei, porque se eu tinha fé que seria pai, por que ia fazer teste? Eu acreditava ou não que Deus ia me deixar ter um filho? Decidi não fazer o teste e, dois meses depois dela suspender o anticoncepcional, engravidou. Deus foi tão maravilhoso que nos abençoou com Davi, nosso grande milagre”, conta com um sorriso no rosto.
A bênção
No começo, Daiana vomitava muito, mas ainda não sabia que estava à espera de Alemão – como Douglas chama o filho. Foi quando, através de um exame de ultrassom, descobriu que estava grávida. “Eu vomitava demais, aí fiz exame de sangue e ultrassom. O médico mandou eu esperar e a confirmação veio. Foi uma alegria. Não imaginávamos que seria tão rápido”, conta a mamãe.
“Eu estava muito convicto que seria pai, mas em alguns momentos era mais racional e dava medo. Lembrava do tumor toda hora, então não quis criar expectativa. Foi uma bênção”, completa o papai.
Douglas brinca com o filho Davi, de três anos, no sofá da casa onde moram(Foto: Marina Silva/CORREIO) |
Davi, ou Alemão, veio ao mundo perfeito. Hoje tem três anos e adora demonstrar carinho pelo pai. Durante a entrevista, pulou no colo do goleiro e cravou uma guerra de beijos e abraços. Coruja, Douglas fica com brilho nos olhos ao se referir ao pequeno. “Da mesma forma que Deus me curou, ele me permitiu ter um filho. Em todos os lugares que eu tenho oportunidade, digo que Davi é o meu maior milagre na vida”, fala o jogador do Bahia.
Apaixonada pelo trabalho, Daiana ainda atende em domicílio. Deixa a mulherada mais bonita e também dá um jeito no cabelo do marido. Segundo ela, a vontade maior é de fazer luzes no goleiro, mas ele torce o nariz. “Eu já sou loiro, pô. Meu cabelo, depois da quimio, ficou fininho. Parece de criança. E ele cresce mais loiro na ponta”, brinca. Ela completa: “Ele não deixa, mas nem precisa. Já tem mecha natural (risos)”.
Atleta lembra tempo em que viveu no Irã
Quando recomeçou a carreira, após o tumor, Douglas queria jogar. Até que apareceu uma chance de voltar a fazer o que amava. Ele não pensou duas vezes, fez as malas e foi para o Irã.
“Surgiu a oportunidade e eu não pensei duas vezes. Não conhecia nada de lá. Muita gente questionava. Falavam que era região de conflito, que tinha intolerância religiosa, e eu sendo cristão, seria difícil”, conta. “Quando cheguei, encontrei um povo muito parecido com o nordestino. Eles são gentis, receptivos. Existe muito preconceito com o Irã, mas o futebol tem um poder muito grande de quebrar barreiras e preconceitos”, relata o ex-jogador do Naft Abadan, em 2009 e 2010.
“Lembro que, quando cheguei, saiu no jornal que eu era cristão protestante. É um choque de cultura. Quem no Brasil falaria disso? Mas lá as pessoas me amavam. Abadã é uma cidade que tem uma ligação muito forte com o Brasil. É um lugar de história muito rica, foi onde teve a guerra Irã-Iraque, de 79, e lá é rico em petróleo. Difícil era falar, né? No começo eu só sabia duas palavras que eram tipo salame (salam), para dizer oi, e rubi (khubîd), para perguntar se estava tudo bem”, conta, aos risos.
Fonte: Correio da Bahia.