Após pouco mais de um ano da confirmação do primeiro caso do novo coronavírus na Bahia, o setor de eventos tem enfrentado endividamento e perda de empregos. Em todo o estado, dos 180 mil profissionais que atuam de forma direta no setor, 70% perderam a fonte de renda e estão com dívidas que variam de 5 a 15 mil reais, em média. Os dados da Associação dos Profissionais de Eventos (APE) são resultado do cancelamento preventivo de festas de rua, a exemplo do Carnaval 2021, shows e festejos tradicionais, como o São João. E para o micro e pequeno empreendedor do segmento, as restrições causadas pela pandemia trouxeram prejuízos que superam os R$ 100 mil.
O produtor cultural Jânio de Carvalho, 59, atua na área há mais de 20 anos e trabalhou em blocos afro, como Muzenza, Filhos de Gandhy, além de bandas de pagode, como o Nossa Juventude e Swing do P. Com a pandemia e proibição de eventos que gerem aglomerações, ele perdeu a renda que girava entre R$ 2 e 3 mil por mês. Morador do IAPI, Jânio acumula dívida de quase R$ 25 mil, e está com o aluguel de R$ 400 atrasado há três meses. Diante do cenário, ele pede celeridade nas ações de apoio dos órgãos públicos estaduais e municipais, a exemplo do auxílio emergencial para o setor de eventos, que pode ser apresentado pela prefeitura esse mês.
“Estou devendo água, luz. Por causa da ajuda da minha irmã, ainda consigo pagar algumas contas atrasadas e comprar comida. Mas talvez tenha que ir morar com ela, no Pau Miúdo, por causa do aluguel atrasado. Faço o apelo ao governo e à prefeitura, que sei que têm a sensibilidade para a situação crítica da população, para acelerar as iniciativas de apoio ao setor que estão em curso. Não queremos retomadas que possam expor as pessoas ao vírus, mas estamos passando por dificuldade, e todo incentivo ao setor e auxílio financeiro ajuda, seja R$ 200, R$ 150, R$ 100”.
Desafios
O dirigente da Associação dos Profissionais de Eventos (APE), Adriano Malvar, reforça que o faturamento das pessoas que atuam no setor é por produção. “Os trabalhadores do setor de eventos vivem exclusivamente do que produz em shows, iniciativas culturais, como peças teatrais, eventos esportivos, congressos científicos, confraternizações privadas. Diante da condição de segurança, a exemplo do que acontece com uma live, essas iniciativas precisam ser exploradas. E quando falamos de períodos como o Carnaval, o número de profissionais do segmento afetados no estado passa de 180 mil para 230 mil”, explica.
O cordeiro e presidente do Sindicato dos Cordeiros da Bahia (Sindcorda), Percival Bispo, é um dos trabalhadores afetados pelo cancelamento do Carnaval de 2021, que fez o montante de R$ 90 milhões de rendimentos, fruto dos trabalhos realizados durante o período de folia, deixar de existir, segundo dados da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI).
Na capital, o total de 60 mil cordeiros sentem os impactos socioeconômicos da pandemia, de acordo com o Sindcorda. “A gente perdeu o Carnaval de 2021 para a pandemia, que pode causar o cancelamento até do próximo. Na folia, o cordeiro pode trabalhar em até três blocos por dia, tendo um faturamento diário de 180 a 200 reais. Ao considerar os seis dias de festa nas ruas, temos um valor que faz toda a diferença para a renda familiar. E quando falta o auxílio emergencial do governo federal, que vira e mexe é cortado, a nossa situação fica ainda pior. E os cordeiros desempregados vão tentar arranjar bicos para sobreviver. A corda sempre parte do lado mais fraco”, diz Bispo.
Para o presidente do Sindcorda, amenizar os impactos da pandemia no setor de eventos passa pela colaboração da sociedade e dos poderes público e privado. A linha de Bispo é seguida pelo empresário e músico Marcelo Lopes, 56, que há mais de 25 anos comanda uma empresa de sonorização em Salvador. Por causa da pandemia, 90% dos equipamentos da empresa estão parados e armazenados em um depósito da cidade há quase um ano. Nesse período, Marcelo estima um prejuízo bruto de R$ 120 mil.
“Imagine que você vem desenvolvendo uma carteira de clientes, trabalhando com shows, casamentos, peças teatrais, balés de escolas privadas. Então, da noite para o dia, vem a pandemia e leva tudo isso. O impacto é gigantesco. E para segurar a onda e manter o negócio, virei funcionário em uma empresa de engenharia. Acredito que a solução para isso passa também pelo incentivo de grandes empresas privadas, que podem realizar eventos dentro do protocolo de segurança, além do apoio do poder público”, conta Marcelo.
SECULT INFORMA QUE AUXÍLIO VEM SENDO PAGO
A Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (Secult), em nota enviada para A TARDE, afirma que o repasse da renda emergencial teve início em novembro de 2020. O total de 2.848 trabalhadores aptos pela lei para recebimento do auxílio estão contemplados.
Ainda segundo a nota, há cerca de 460 pessoas que não cadastraram os dados bancários para crédito do benefício, e que precisam entrar em contato com a secretaria.
Através do Programa Aldir Blanc Bahia, a Secult acrescenta que suas unidades vinculadas executaram mais de R$ 92 milhões em 1.870 projetos culturais, que foram pagos ainda esse ano. “Mais de 50 obras audiovisuais de curta, longa-metragem e séries baianas, de produção independente, nas categorias ficção, documentário e animação estão licenciadas no período de 24 meses a serem exibidas na programação da TVE”, completa a nota.
Na capital, o presidente da Empresa Salvador Turismo (Saltur), Isaac Edington, afirma que medidas como a formatação de auxílio emergencial para o setor de eventos estão sendo debatidas com os órgãos municipais.
“Passado o pior momento da pandemia, a gente tem o planejamento de atividades que poderão ser retomadas de forma híbrida, virtual e presencialmente, além da adoção de medidas como a apresentação de um auxílio emergencial para a área. Se tudo correr como o esperado, esse auxílio deve ser apresentado pelo prefeito ainda esse mês. É preciso fomentar a nossa indústria criativa”, diz.
Além da questão do auxílio, o prefeito Bruno Reis (DEM) afirmou que serão criados protocolos específicos para a retomada da área de eventos, em reunião com empresários do setor no último dia 11. O encontro teve a presença dos empresários Paulo Góes e Luiz Eduardo Magalhães Júnior.
Na ocasião, o presidente do Legislativo de Salvador, Geraldo Júnior (MDB), informou que o plano de retomada será executado assim que houver uma redução da transmissão do novo coronavírus na cidade.
“Este protocolo para a retomada do setor de eventos no momento da diminuição dos casos de Covid-19 é muito importante não só para as empresas, mas também para a ponta da cadeia produtiva de eventos e da cultura. Os impactos negativos desta terrível pandemia são muito perversos para os profissionais da área de classes sociais mais humildes”, afirmou Geraldo Júnior.
A Tarde