Um incentivo ao crescimento da espécie e não para o seu processo de extinção. É assim que a empresa Nordeste Agropecuária, localizada em Amargosa, se afirma ao falar da relação entre sua cadeia produtiva e a existência de jumentos na Bahia. Uma relação que fez o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) pedir a suspensão, por meio de ação, do abate da espécie realizado pela empresa nesta quarta-feira (9).
É que, de acordo com o promotor de Justiça Julimar Barreto, responsável pelo processo, há um desequilíbrio entre o volume de crescimento vegetativo da espécie e o número de abates do animal na Nordeste Agropecuária. A tese é contestada por Alex Bastos, diretor administrativo da empresa. Segundo ele, o que existe, na verdade, é um processo que mantém o jumento existindo em terras baianas.
“Se não existia abate de 1995 a 2006, como o rebanho caiu 55% aqui no estado nesse período? [..] O abate, na verdade, vem como solução pro jegue nordestino. Uma cadeia produtiva só é criada se tiver fomento financeiro. Ninguém vai criar animal se não tiver valor econômico”, alega Bastos.
Os números citados pelo diretor são do IBGE e correspondem ao período em que, na Bahia, a população de jumentos caiu de 303 mil para pouco mais de 168 mil. Ainda por Bastos, o abate de jumentos só começou em 2017, quando a mesma pesquisa indicava a existência de 93 mil animais da espécie no estado. Hoje, segundo o promotor da ação, o número de animais vivos da espécie é de, aproximadamente, 400 mil.
Risco iminente
No entanto, o dado que motivou a ação do MP-BA é outro: o volume de animais abatidos na Nordeste Agropecuária no ano passado. De janeiro a novembro de 2021, no frigorífico de Amargosa, foram abatidos 28.199 jumentos, de acordo com informações do Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sipoa) da Superintendência Federal de Agricultura (SFA/Ba).
O registro, para o promotor Julimar Barreto, revela um desequilíbrio que pode ameaçar a existência do jumento. “Está havendo um extrativismo. Os animais estão sendo recolhidos, comprados e abatidos. Não há uma criação como ocorre com os bovinos. Existia a estimativa de 400 mil, mas isso é antes. Agora, depois de abater tantos animais, com certeza a população já diminuiu”, explica.
Ciente dos números citados pelo promotor, Alex Bastos argumenta que há uma defasagem em relação ao número de jumentos vivos no estado. “Como eu explico que, de 95 a 06, quando não tinha abate, caiu o rebanho em 55%? Qual foi a causa? Isso comprova que não é o abate que está provocando a diminuição dos números cadastrados, que não são números totais”, defende o diretor.
A ação ajuizada pelo MP ainda vai ser julgada por um juiz em Amargosa. A depender da decisão judicial, é possível que tanto a Nordeste Agropecuária como outros frigoríficos que realizam abate de jumentos tenham que interromper suas atividades.
O hiato de abate deve durar, pelo menos, até que a Agência Estadual de Defesa Agropecuária do Estado da Bahia (Adab) regulamente a exigência do exame de duas doenças, mormo e anemia infecciosa equina, como protocolo para o recebimento e o abate dos jumentos em todos os frigoríficos licenciados do estado.
De acordo com o promotor Barreto, o exame é uma exigência federal, que vem sendo descumprida em terras baianas. “Em uma zona com suspeita de mormo, o exame é exigido por ordem federal para todos animais que transitam. E anemia infecciosa equina também. Porém a Adab, para facilitar o abate, dispensou o exame já que o animal vai para o matadouro. Só que ela está desrespeitando a norma federal”, fala.
Mormo é uma zoonose que pode ser transmitida, inclusive, para seres humanos que lidem com o manejo dos animais. Procurada para comentar a ação, a Adab respondeu que ainda não foi notificada e que dará as informações necessárias a partir do momento que for informada oficialmente.
Além do exame, o MP pede ainda um protocolo de produção e fiscalização que obrigue os produtores a terem, de fato, fazendas de criação e não apenas de abate.
“Precisam comprovar que estão realizando criação e que está havendo crescimento vegetativo. A Adab nunca fez fiscalização e essas fazendas [de criação], na verdade, não funcionam”, fala o promotor.
China
O objetivo da ação, de acordo com o MP, é fazer com que a produção de jumentos seja igual a de bovinos, com uma real reposição de animais já que há uma demanda por abate e exportação. Segundo consta na ação, o abate de jumentos na Bahia visa atender ao mercado chinês para a fabricação de um produto típico da indústria cosmética e farmacêutica chinesa chamado de ‘ejiao’, substância feita com o colágeno presente no couro dos jumentos.
“Estima-se que a China demande um consumo de 5 milhões de peles de jumento por ano, desde 2017, volume que o estoque interno não é capaz de atender. Na década passada, em razão das aproximações comerciais China/Brasil, relativas ao agronegócio e investimentos em infraestrutura, os chineses descobriram o Nordeste brasileiro como potencial fornecedor da pele de jumento para produzir o ‘ejiao’”, destaca Julimar Barreto.
Correio da Bahia