Enquanto as autoridades investigam o recente descarrilamento de um trem que transportava produtos químicos tóxicos no leste de Ohio (centro-leste dos EUA), aumentam as preocupações sobre as consequências do desastre para a saúde humana e o meio ambiente. Especialistas alertaram que a compreensão das causas e consequências pode exigir uma investigação mais abrangente do que a realizada até agora.
“Existem muitas incógnitas”, disse Donald Holmstrom, ex-diretor do Escritório Regional Oeste do Conselho de Investigação de Riscos e Segurança Química dos EUA, o órgão federal que investiga acidentes químicos industriais.
O descarrilamento do trem e vazamento de produtos químicos na cidade de East Palestine, em Ohio, parecia um pesadelo. Depois que o trem saiu dos trilhos, em 3 de fevereiro, iniciando um grande incêndio, as autoridades decidiram queimar a carga química de alguns vagões, em vez de correr o risco de uma explosão ou outro desastre descontrolado.
Cinco dos carros transportavam cloreto de vinila, um gás incolor usado na fabricação de produtos plásticos, que quando inalado pode causar em curto prazo tontura, dor de cabeça e sonolência e, após exposição prolongada, uma forma rara de câncer de fígado.
“O volume é simplesmente enorme”, disse Gerald Poje, especialista em saúde ambiental e ex-membro do Conselho de Segurança Química. “É horrível pensar em quanto foi liberado e quanto foi queimado propositalmente.”
O Conselho Nacional de Segurança nos Transportes disse que sua investigação sobre as causas do descarrilamento continua. A Agência de Proteção Ambiental afirmou que está monitorando o ar nos prédios e arredores e não detectou nenhum gás nocivo nas residências até agora. Autoridades disseram na semana passada que os residentes evacuados poderiam voltar para casa em segurança.
Holmstrom gerenciou a investigação do Conselho de Segurança Química sobre a explosão de 2010 na plataforma de perfuração Deepwater Horizon no Golfo do México, que causou o pior derramamento de óleo offshore da história americana. Ele disse que o descarrilamento de Ohio foi significativo o suficiente para merecer uma comissão presidencial nos moldes da que foi criada após a explosão da Deepwater Horizon.
Holmstrom disse que uma comissão ajudaria a investigar muitas questões sobre a responsabilidade das agências governamentais e da operadora ferroviária Norfolk Southern, bem como os efeitos sobre a comunidade e o meio ambiente.
Nos derramamentos de produtos químicos, as ameaças à saúde humana podem persistir por muito tempo depois que a emergência é resolvida, disse Erik D. Olson, diretor estratégico de saúde e alimentação do Conselho de Defesa de Recursos Naturais, organização sem fins lucrativos dedicada à saúde pública e ao meio ambiente.
“Algumas autoridades estão dizendo às pessoas que, quando voltarem, devem abrir as janelas e limpar todas as superfícies”, disse Olson. “Bem, obviamente, isso significa que elas sabem que ainda há alguma contaminação na área.”
Partículas de uma nuvem química podem se depositar no solo e penetrar em poços e outras fontes de água potável. Os contaminantes nas águas subterrâneas podem vaporizar e migrar por rachaduras no solo para porões e residências. “Os efeitos em longo prazo muitas vezes passam despercebidos”, disse Olson.
“Estamos levando esta emergência local muito a sério e continuaremos a fazer tudo ao nosso alcance para proteger a comunidade”, disse Michael Regan, administrador da Agência de Proteção Ambiental, na terça-feira (14). “Estamos prontos para contribuir da maneira que pudermos.”
Um problema do vazamento de produtos químicos tóxicos é que os perigos não são apenas apresentados pelas substâncias individuais envolvidas, disse Poje. Os compostos químicos podem interagir entre si de maneiras complexas e persistir após a queima.
“Pode haver centenas de produtos diferentes da decomposição que permanecem, para os quais temos perfis toxicológicos muito ruins”, disse Poje. “Muitas vezes estamos nesse local desconhecido.”
Até agora, o dano do descarrilamento à vida silvestre tem sido mais imediatamente aparente do que os efeitos nos seres humanos, embora permaneçam amplas questões nestes também. O derramamento afetou aproximadamente 12 quilômetros de cursos d’água, segundo o Departamento de Recursos Naturais de Ohio, e matou cerca de 3.500 peixes até 8 de fevereiro, principalmente de pequeno porte. Moradores relataram galinhas e outros animais mortos ou doentes.
Ecologicamente, uma preocupação é com as hellbenders, espécie de salamandra aquática de aparência pré-histórica que pode atingir 60 centímetros de comprimento e está ameaçada de extinção em Ohio. Lutando contra o drástico declínio populacional, cientistas, autoridades da vida natural e outros parceiros coletam ovos de hellbenders na natureza, que criam em cativeiro e reintroduzem na natureza por volta dos três anos de idade, quando se acredita que tenham maior probabilidade de sobrevivência.
Um local, onde cerca de 250 salamandras foram soltas desde 2014, fica entre áreas onde foram encontrados peixes mortos após o descarrilamento, disse Gregory Lipps, herpetologista da Universidade Estadual de Ohio que lidera o esforço.
“Muitas pessoas dedicaram tanto tempo e energia a isto”, disse Lipps. “Nosso local de soltura que foi impactado é uma floresta estadual e uma reserva natural. Você olha em volta e pensa: ‘Rapaz, esta é uma bela área protegida’, mas você não pode controlar o que desce pelo rio, pode?”
Lipps espera que o estado de dormência em que as salamandras entram durante o inverno as ajude a sobreviver. “Talvez uma exposição rápida a poluentes não seja o fim do mundo”, disse ele. “Não sei.”
Raymond Zhong e Catrin Einhorn / Folha de São Paulo