Prática, passada por gerações, é responsável por aumento de 10 vezes de vítimas de queimaduras
Assim como as comidas típicas, quadrilhas juninas e outras brincadeiras, os fogos de artifícios fazem parte do cenário de uma das festas mais populares do nordeste, o São João. Mas tão tradicional quanto perigosa, a prática de soltar fogos, passada de geração a geração, é responsável por um aumento de cerca de 10 vezes de vítimas de queimaduras no estado durante o período junino, conforme os dados do Hospital Geral do Estado (HGE).
Por conta disso, os cuidados com a ‘brincadeira’ devem ser redobrados, especialmente com as crianças, principais vítimas dos ‘explosivos recreativos’, como explicou o médico-cirurgião de mão do Hospital Geral do Estado, doutor Enilton Mattos. “As crianças entre 5 e 12 anos são as mais comumente acometidas, mas adultos jovens em idade produtiva também somam-se às estatísticas com relevante impacto para sociedade”, pontua o especialista.
Este e outros motivos fazem com que pais repensem a tradição e muitos optam por não comprar as ‘bombinhas’ para os pequenos, como o pai do pequeno Levi, de 1 ano, Eduardo Dias. Ele enxerga um perigo desnecessário na brincadeira. “Eu sou contra qualquer tipo de fogos de artifício porque acho extremamente perigoso. Já vi amigos na infância se queimarem acidental e propositalmente com bombas e derivados. Meus pais não compravam fogos para mim. Fui criado desde cedo com essa consciência de que era perigoso e passarei isso para o meu filho”, relatou
No entanto, há aqueles que, tomando seus devidos cuidados, acham importante a manutenção da brincadeira de infância que lhe proporcionou memória inesquecíveis. Pai de Gabryel e Matheus, de 13 e 5 anos, David Pitta diz tomar todos os cuidados para que seus pequeninos não se machuquem.
“Os fogos que eu compro são sempre os mais fracos, né? Pois a idade não permite que eles soltem esses fogos mais potentes. Então, sempre com a supervisão minha ou da mãe, eu costumo comprar os do tipo ‘chuvinha’, traque de massa, ‘abelhinha’, esses mais leves. Eu acho importante. É uma coisa que sempre minha mãe comprava para mim. Eu lembro da diversão com meus amigos, de brincar soltando bomba”.
Número de acidentes envolvendo fogos aumenta no período junino; especialista alerta
Conforme a Secretaria de saúde Pública do Estado (Sesab), o número de internações relacionadas aos fogos de artifícios tem uma alavancada significativa neste período e chegam a representar mais de 30% das ocorrências em todo o ano. Nos últimos cinco anos, mesmo havendo um hiato de dois anos sem a festa popular, houveram 464 internações oriundas dos fogos, sendo 121 delas registradas no mês de junho.
Quando o recorte é sobre explosão com bomba, os dados do Hospital Geral do Estado (HGE), referência nos cuidados com ferimentos provocados por explosões e queimaduras, o número é ainda mais alarmante. Nos últimos 10 anos, o mês de junho já chegou a concentrar 68,38% de todos os atendimentos por explosão com bomba na unidade.
“Acidentes deste tipo são cerca de 10 vezes maiores do que em outros meses do ano. A demanda de pacientes nas vésperas e dias de São João e São Pedro 23, 24, 29 e 30 de junho, tem um aumento expressivo no número de atendimentos”, conta Enilton Mattos. O cirurgião ainda alerta que, apesar da frequência de casos fatais ser baixa, os acidentes podem deixar sequelas irreversíveis.
“Casos de morte são mais raros, entretanto acidentes com graves sequelas são os mais reportados. As áreas mais afetadas são as mãos, braços e face, havendo ainda riscos para audição e visão – onde os pequenos fragmentos liberados pelas explosões podem perfurar o globo ocular e desencadear transtornos visuais, o comprometimento grave da visão, ou até mesmo provocar cegueira”.
Guerra de Espadas, fabricação e venda ilegal de fogos
Proibida desde 2011, a ‘Guerra de Espadas’ era uma das principais tradições de algumas cidades do interior da Bahia. Brincadeira perigosa e que muitas vezes termina com machucados, o evento junino, apesar de ilegal, continua sendo realizado.
Na noite do último domingo, 18, duas pessoas foram presas na cidade de Cruz das Almas, no Recôncavo Baiano, ao participar da batalha com fogos. A queima acontecia em uma rua do bairro do Coplan, e foi interrompida pela Polícia Militar após denúncia de moradores.
Segundo a prefeitura da cidade, que salienta a proibição da prática, em 2022, um total de 82 casos foram registrados. Neste ano, antes mesmo do início oficial do São João, seis casos já foram reportados. O órgão pontua ainda que divulga, todos os anos, os dados de vítimas das espadas de fogo e que a secretaria de Saúde faz um “trabalho de conscientização nos veículos de comunicação da cidade”.
Mas este não é um caso isolado na cidade, ou restrito ao interior da Bahia. Na semana anterior, mais precisamente na segunda-feira, dia 12, cenas semelhantes foram registradas no bairro de Periperi, em Salvador.
Além do combate a prática ilegal, a Polícia Civil também trabalha para que os objetos não cheguem aos locais das “batalhas”. Só no mês de junho de 2023, 150 mil unidades de fogos foram apreendidos em território baiano. Ou seja, aproximadamente 7,5 mil por dia.
No início do mês, a polícia apreendeu mais de 1200 espadas, aproximadamente 200 kg de pólvora e duas motos na zona rural de Cruz das Almas. Dias depois, mais 600 espadas foram apreendidas no município. As apreensões não terminaram por aí. No dia 16, foram encontradas 182 unidades das espadas já em fase final de fabricação, no bairro do Inocoop.
Outra cidade tradicional de guerra de espada, Governador Mangabeira, na Região Metropolitana de Salvador, também teve o material capturado antes de chegar nas mãos dos usuários. Cerca de duas mil espadas foram apreendidas, no último domingo, 18.
Sobre as ações de combate à venda e fabricação ilegal do material o delegado da Coordenação de Fiscalização de produtos Controlados da PCBA, Cleandro Pimenta, conversou com o Portal A TARDE.