A tradição das peças se mistura a elementos mais atuais
De longe, qualquer pessoa minimamente escolada em festa junina reconhece fácil a estética: chapéu de palha, estampa xadrez, tecido de chita, peças em couro e bota. Basta olhar para identificar que aquele é um estilo de quem está prestes a ir a uma festa de São João ou São Pedro.
É tão certeiro que é só chegar nessa época do ano que as vitrines ficam infestadas de roupas xadrez em todo tipo de modelagem, além de jeans e modelos de bota. “Temos calças, shorts, peças e estampas que vão ser acolhidas com muita intensidade nesse período em que, no Brasil, se instala o nosso outono-inverno e que coincide com as festas juninas”, diz a pesquisadora Renata Pitombo, professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e autora do livro Moda e crítica: prazer, julgamento e avaliação.
As origens dessa indumentária, porém, vêm de muito antes – e de bem longe. Assim como a tradição pelas festas juninas foi trazida da Europa, com as celebrações pagãs pela chegada do solstício de verão, os trajes típicos têm a mesma raiz nesse período. No hemisfério Norte, o verão ocorre nos meses em que aqui é inverno. Por isso, os primeiros registros datam de vestimentas em Paris, ainda no século 18, sendo usadas nas festas dos camponeses para celebrar a colheita.
“Com a cristianização dessas festividades, elas foram incorporadas ao calendário religioso e passaram a ser comemoradas em homenagem a São João, Santo Antônio e São Pedro. No Brasil, a tradição foi introduzida pelos portugueses”, explica a consultora de moda Phaedra Brasil, do Senac Bahia. Com o tempo, vieram os elementos da cultura nordestina e as peças que se tornaram símbolos dos festejos pelo país.
Nobreza
Os trajes chegaram ao Brasil trazidos pela corte real portuguesa, no início do século 19. Já amplamente difundidos pela Europa, esses costumes indicavam aqui que as mulheres tinham de usar vestidos muito rodados e volumosos – o que, posteriormente, viria a influenciar as fantasias das quadrilhas. Com o passar dos anos, as roupas começam a ser confeccionadas com tecidos mais próprios dos trópicos, que são mais coloridos, como a chita.
Segundo a professora Renata Pitombo, da UFRB, alguns acessórios têm a ver com a própria ambientação das festas juninas. “O chapéu de palha vai ser utilizado justamente para simbolizar esse homem do campo que é um trabalhador que fica de sol a sol labutando pela sua colheita. Além de ser um elemento distintivo, quando do início das festas, traz a simbologia da vida campesina”, explica.
“O chapéu de palha vai ser utilizado justamente para simbolizar esse homem do campo que é um trabalhador que fica de sol a sol labutando pela sua colheita. Além de ser um elemento distintivo, quando do início das festas, traz a simbologia da vida campesina”]
Renata Pitombo
Enquanto isso, as botas eram um acessório que servia para a proteção tanto de homens quanto mulheres. Era uma maneira de evitar o contato direto com a terra, produzindo um certo distanciamento – ainda que, hoje, muitos desses calçados se destaquem pela altura dos saltos.
São exemplos de como esses elementos se adaptaram e se adequaram bem às circunstâncias rurais, especialmente no Nordeste do país. “A roupa junina perdura porque marca um período específico. Ela tem a ver com uma festividade, um ritual, um modo de identificação, pertencimento e adesão à festa que vai cultivar a fatura da colheita e da vida. Muita gente nem sabe disso, mas essa questão da colheita é muito forte com o São João e acho que se adequou muito bem à vida campesina aqui no Brasil”, completa.
Danças
Nas apresentações das quadrilhas, as roupas são uma parte importante das performances dos grupos, como ressalta a consultora de moda Phaedra Brasil, do Senac. Por serem elaboradas e coloridas, além de terem um estilo caipira ou campestre, os trajes contribuem para criar uma atmosfera tanto tradicional quanto festiva.
De acordo com ela, as quadrilhas de hoje também remontam as danças europeias, como a quadrilha francesa e a contradança inglesa, ambas trazidas ao Brasil durante a colonização e adaptadas por aqui com elementos da cultura local. Esse é o caso dos tecidos usados nas indumentárias.
“A chita é um tecido de algodão estampado, colorido e de baixo custo, que se tornou popular nas festas juninas devido à sua alegria e vivacidade. Ele é utilizado para confeccionar as tradicionais roupas caipiras, como vestidos, saias e camisas”, acrescenta Phaedra.
Phaedra Brasil
“”A chita é um tecido de algodão estampado, colorido e de baixo custo, que se tornou popular nas festas juninas devido à sua alegria e vivacidade. Ele é utilizado para confeccionar as tradicionais roupas caipiras, como vestidos, saias e camisas””
Já as estampas xadrez fazem alusão ao tartã (ou tartan), como é chamado em terras britânicas. No século 18, os tecidos começaram a ser confeccionados e usados, principalmente, na Escócia. Em geral, tinham um significado social forte, já que eram usados pelos clãs locais como uma forma de evocar distinção e lealdade nacional.
“Pouco a pouco, o xadrez vai se popularizando, sobretudo no final da Segunda Guerra Mundial, na Europa como um todo. No Brasil, ele vai se associar a esse meio rural e continuar ligado a essa territorialidade”, pontua a professora Renata Pitombo, da UFRB.
Transformações
Como a moda é cíclica, os trajes juninos não ficariam imunes a mudanças ao longo das décadas. De modo geral, essa ‘moda junina’ segue forte e, na avaliação da professora, continua reativando valores sertanejos, principalmente, “Essa força campesina é muito presente no Brasil e tem ganhado protagonismo nos últimos anos, sobretudo pela importância do agronegócio”, cita Renata.
Ao mesmo tempo, o que tem se visto nos anos mais recentes é mais variedade de estilos e abordagens na confecção, segundo a consultora de moda Phaedra Brasil. Mais tipos de cortes, modelagens e combinações de estampas têm resultado em mais diversidade nos trajes, além de elementos contemporâneos.
Na avaliação dela, a fusão entre o tradicional e o moderno tem produzido roupas mais possibilidades estéticas para os looks juninos. “As pessoas estão mais abertas a experimentar e personalizar suas vestimentas, resultando em um leque mais amplo de estilos. O importante é não ‘caricaturar’ a referência a este movimento da nossa cultura”, reforça.
Para a professora Márcia Mello, do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da Unifacs, a grande diferença agora é uma adaptação aos hábitos atuais, o que inclui modelos, tecidos e cores.
“Atualmente, percebe-se uma necessidade de espetacularização da imagem, o que pode descaracterizar a originalidade das festas juninas”, diz, citando o caso de uma pessoa que usa uma bota com cristais Swarovski.
O projeto São João em todo canto é uma realização do jornal Correio com patrocínio da Via Bahia e apoio da Larco Petróleo.