Inmet alerta que 199 cidades baianas estão sob efeito da onda de calor até sexta (29); Bom Jesus da Lapa registrou dia mais quente do ano no estado
Os ponteiros do relógio marcam sete horas da manhã, mas quem se desafia a colocar os pés para fora de casa leva um susto. O bafo de ar quente dá a sensação de que o sol está a pino mesmo nas primeiras horas do dia. “Um sol para cada cabeça”, em bom baianês. Nesta semana, a Bahia registrou a maior temperatura do ano e a onda de calor vai continuar castigando a população de 199 cidades até sexta-feira (29). Isso tudo e o verão ainda nem começou. Mas afinal, as mudanças climáticas, assunto tão falado na atualidade, têm relação com as altas temperaturas ou elas são mais um fenômeno natural do planeta?
A resposta é: nem tanto nem tão pouco. Isso porque a onda de calor está associada a fatores naturais, como os bloqueios atmosféricos e o El Ninõ (aquecimento das águas do pacífico). Mas há um consenso entre especialistas que o aquecimento global contribui para o aumento da frequência de eventos climáticos extremos. Uma cidade é afetada pela onda de calor quando registra temperatura 5ºC acima da média por, pelo menos, três dias.
Quando acordou na terça-feira (26), Sabrina Naila, de 23 anos, não sabia que enfrentaria o dia mais quente do ano na Bahia. Mesmo sem se dar conta dos 41,6ºC registrados nos termômetros de Bom Jesus da Lapa, os indícios de que a temperatura estava acima do normal eram evidentes. “Eu acordei por volta das sete horas com bastante calor e sentei na área mais arejada da casa para trabalhar no notebook”, conta. Ao longo do dia, a sensação piorou.
Área da região Nordeste sob efeito da onda de calor. Crédito: Reprodução/Inmet
“Tentei descansar depois do almoço, mas não teve como. O vento do ventilador estava muito quente que sufocava, a cama estava pelando, a sensação era de um forno”, diz a publicitária. Mesmo para quem nasceu na cidade e está acostumado com as altas temperaturas, o clima surpreende. A percepção de que a cada ano faz mais calor é validada por estudiosos do clima. O inverno deste ano foi um dos mais quentes de 1961, de acordo com Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
A bióloga e ativista do clima Carolina Borges explica que o aquecimento global, resultado do acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera, aumenta a frequência de eventos extremos. Nesse bolo não entram apenas ondas de calor, mas ciclones e as fortes chuvas que atingiram o sul da Bahia em dezembro de 2021. Na ocasião, mais de 160 cidades ficaram sob alerta da Defesa Civil.
“São várias situações de calamidade que vemos no Brasil e no mundo, o que chamamos de eventos climáticos extremos. Não é como se eles nunca tivessem acontecido, mas estão ficando mais frequentes e intensos”, analisa Carolina Borges, que faz parte do Fórum Clima Salvador. O oeste baiano é a região do estado mais afetada pelo bloqueio atmosférico e onde os moradores enfrentam as maiores temperaturas durante a onda de calor.
Em Barreiras, os termômetros chegaram a marcar 40,2ºC, durante a semana, para o desespero da pedagoga Elaine Kedma, de 45 anos. “Tenho evitado ao máximo sair de casa. Não tenho ânimo para estudar e a cabeça dói com mais frequência”, comenta. “Nasci aqui e sinto que a cada ano o calor aumenta. Quando eu era criança, o clima era melhor e tínhamos mais locais com água em abundância”, lamenta.
Correntina (41,2ºC), Ibotirama (40,9ºC) e Formosa do Rio Preto (39,9ºC) também registraram altas temperaturas graças ao bloqueio climático. Enquanto isso, a proximidade do mar livra cidades litorâneas que não estão na rota da onda de calor. Na capital, a temperatura máxima registrada na terça-feira (26) foi 29,4ºC.
“As ondas de calor estão associadas a padrões atmosféricos que atuam sobre uma grande área e favorecem uma condição de estacionariedade dos sistemas meteorológicos”, explica Aldírio Almeida, meteorologista do Instituto do Meio Ambiente e Recurso Hídricos (Inema). Além da Bahia, outros dez estados e o Distrito Federal são atingidos com as temperaturas extremas. Na sexta-feira (29), o avanço de uma frente fria vindo do sul do país deve, enfim, conseguir romper o bloqueio.
A previsão é que as temperaturas fiquem mais amenas a partir da segunda quinzena de outubro. “A condição só volta a normal quando o período chuvoso tiver início, entre outubro e novembro. Até lá teremos cidades registrando temperaturas entre 37ºC e 40ºC na Bahia”, garante Cláudia Valéria, meteorologista do Inmet.
Ondas de calor são caminho sem volta?
O aumento da temperatura em cidades baianas não é um evento isolado. Para evitar que as ondas de calor se tornem cada vez mais intensas e duradouras, um esforço coletivo precisa ser realizado. As ações incluem políticas públicas, determinações de empresas privadas e consciência individual tendo em vista dois pilares: adaptação e mitigação.
“É preciso colocar em prática ferramentas para conseguir adaptar as cidades e comunidades para que elas sofram menos com os impactos dos eventos climáticos extremos que vão acontecer”, explica Carolina Borges. Cidades mais adaptadas às ondas de calor possuem mais espaços verdes e construções que favoreçam a ventilação, por exemplo.
“Mitigação é combater ao máximo o aquecimento global a partir da redução da emissão de gases dos efeitos estufa”, completa. Apesar de os países em desenvolvimento serem os mais afetados pelos eventos extremos, historicamente, o norte global é responsável pela maior emissão dos gases poluentes.
O Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que teve contribuição de 278 cientistas e foi publicado neste ano, listou quais ações devem ser colocadas em prática para evitar os piores impactos climáticos. Entre elas estão: expansão do uso de energia limpa, incentivo a construções verdes e conservação de ecossistemas naturais.
Dez cidades baianas com as maiores temperaturas
(Dados de terça-feira, 26, coletados no site do Inmet)*
Bom Jesus da Lapa (41,6ºC)
Correntina (41,2ºC)
Ibotirama (40,9ºC)
Barreiras (40,2ºC)
Formosa do Rio Preto (39,9ºC)
Buritirama (39,9ºC)
Santa Rita de Cássia (39,4ºC)
Guanambi (39,3ºC)
Barra (39ºC)
Luís Eduardo Magalhães (37,9ºC)
*Não são todas as cidades que possuem estações onde os dados são coletados pelo Inmet.