Prefeitos de municípios do Norte de Minas reduzem número de servidores e baixam os vencimentos do Executivo para enfrentar crise com redução nos repasses
Prefeitos de pelo menos 16 estados brasileiros fecharam, na quarta-feira, as portas das prefeituras, mantendo apenas os serviços essenciais como de saúde e limpeza pública, em protesto contra a queda na arrecadação do Fundo de Participação dos Municípios. Mais do que “fazer greve”, o prefeito de São Francisco (Norte de Minas), Miguel Paulo de Souza Filho (PSD), decidiu cortar na própria carne para amenizar os efeitos da queda da arrecadação. Na sexta-feira, ele publicou um decreto, no qual reduziu o próprio salário e os vencimentos do vice-prefeito, dos secretários de outros ocupantes de cargos de confiança e demitiu 627 servidores da gestão municipal, entre comissionados e contratados.
No Norte de Minas, a Prefeitura de Vargem Grande do Rio Pardo também realizou a demissão de 129 funcionários contratados, por causa da crise financeira provocada pela redução do Fundo de Participação. São Francisco e Vargem Grande do Rio Pardo estiveram entre os municípios que aderiram ao movimento “Sem FPM não dá”, realizado em 30 de agosto. O movimento foi proposto pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), que informou que a paralisação contou com a participação de prefeitos de pelo menos 16 estados, grande parte deles do Nordeste.
A manifestação ganhou adesão dos municípios do Norte de Minas e dos vales do Jequitinhonha e Mucuri, cidades mineiras que votaram em peso em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e que asseguraram a vitória do atual presidente no estado contra o seu oponente Jair Bolsonaro (PL) nos dois turnos da eleição de 2022 – o que também ocorreu no Nordeste. Historicamente castigados pela seca e pela carência, os pequenos municípios do semiárido são os mais afetados pelas reduções do FPM, a principal fonte de arrecadação das prefeituras dos lugares onde a movimentação econômica se resume basicamente ao dinheiro das aposentadorias rurais, do Bolsa-Família e de outros benefícios governamentais.
“Do jeito que está, não temos condições de continuar”, reclama o presidente da Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene (Amams), José Nilson Bispo de Sá (Republicanos), o Nilsinho, ao falar das dificuldades enfrentadas pelos prefeitos diante da queda de receita do FPM. “Tivemos nos últimos dois meses, as maiores quedas dos repasses do FPM. Isso está inviabilizando as gestões municipais para (que possam) honrar seus compromissos financeiros. Chegamos uma situação tão grave em que os prefeitos têm que escolher o que (podem) pagar porque as receitas são insuficientes”, reclama Nilsinho, que é prefeito de Padre Carvalho, cidade de 5,05 habitantes, castigada pela seca e baixo dinamismo econômico como outros pequenos municípios norte-mineiros.
No decreto sobre os cortes de salários e demissão de pessoal da prefeitura, Miguel Paulo alega que a queda da receita do FPM causou uma “calamidade financeira” em São Francisco (52,7 mil habitantes), às margens do rio homônimo. Considerando que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) impõe limite de gastos com pessaol, o prefeito afirma que “o fato público e notório é que o município de São Francisco tem experimentado considerável queda na receita de FPM, oriundo de repasses da União Federal”. Com isso, Miguel Paulo informa que há “atraso no pagamento de pessoal, bem como fornecedores e prestadores de serviços”.
A Prefeitura da cidade do Norte de Minas informou que, no fim de julho, foi apurado um déficit em suas contas de R$ 3,5 milhões, entre as receitas correntes (impostos, taxas e transferências governamentais) e contas a pagar. Por essa razão, a municipalidade acendeu o sinal de alerta e decidiu fazer os cortes de despesas com pessoal, “para evitar chegar ao final do exercício com o descumprimento da LRF e com a suspensão de serviços especiais como limpeza pública e atendimento médico”, justificou.
Para enfrentar a queda no FPM, o prefeito de São Francisco reduziu em 30% o seu próprio salário, cujo valor bruto era de R$ 19.126,25 e passa para R$ 13.388,37 (5.737,88 a menos). O salário do vice-prefeito Raul Pereira da Silva, no valor bruto de R$ 9.565,70, teve um corte de 20%, baixando para R$ 7.652,05. O salário dos secretários municipais tiveram uma queda de 15% (de R$ 7.650,00 para R$ 6.502,50). A “tesoura” também afetou os vencimentos dos demais cargos de confiança (redução de 10%).
De acordo com a prefeitura foram exonerados 627 servidores, sendo 493 contratados e 134 ocupantes de cargos comissionados. Entre as pessoas que tiveram contratos suspensos, 217 são da área da educação. O decreto assinado pelo prefeito de São Francisco estabelece que as demissões de ocupantes de cargos comissionados e de contratados somente não atingem serviços e unidades essenciais da municipalidade: o Hospital Municipal Trício Dourado, a Casa da Criança, Diretorias das escolas municipais e o Tratamento Fora do Domicílio (TFD).
Demissões em Vargem Grande do Rio Pardo
Em Vargem Grande do Rio Pardo (4.633 habitantes), em Alto do Rio Pardo (Norte de Minas), o prefeito Gabriel Braz (MDB) anunciou, na semana passada, a demissão de 129 funcionários contratados, também alegando as dificuldades financeiras da prefeitura, acarretadas pela queda do FPM. Conforme informações da administração municipal de Vargem Grande do Rio Pardo, as áreas mais impactadas pela redução na arrecadação foram a parte de obras de infraestrutura, na qual também ocorreu a maioria das rescisões de contratos.
“A queda do FPM resulta no enfraquecimento da economia, interrompe o crescimento e compromete projetos e programas que estavam sendo realizados no município. Provocou também a paralisação de obras importantes, tais como o projeto de prevenção de incidentes e segurança nas escolas”, afirmou o prefeito Gabriel Braz.
Dependência quase total do FPM
O presidente da Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene (Amams), José Nilson Bispo de Sá (Republicanos), o Nilsinho lembra que o baque no FPM já vinha ocorrendo desde o início do ano. “Mas agora, nos últimos dois meses, a situação ficou mais preocupante. No mês de julho, houve redução de 34% e em agosto, a queda foi de 22%. São perdas consideráveis que inviabilizam a gestão pública municipal”, lamenta. “90% das prefeituras do Norte de Minas dependem do FPM, a maior fonte de arrecadação, que assegura o funcionamento da máquina pública nos municípios”, completa.
Nilson de Sá disse que o protesto do fechamento das prefeituras em 30 de agosto teve adesão de 229 prefeitos do Norte de Minas e dos vales do Jequitinhonha e do Mucuri. Ele disse que o movimento já teve desdobramentos, chamando a atenção dos deputados e senadores, com as promessas de parlamentares de que vao cobrar do Governo Federal a revisão dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios.
Ele afirma que também como “resultados positivos” da manifestação dos prefeitos, Câmara dos Deputados aprovou, quarta-feira, no mesmo dia do protesto,o Projeto de Lei 334/2023, que reduz a alíquota de contribuição ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) para os Municípios até 31 de dezembro de 2027. Além disso, os chefes de executivos municipais continuam pressionandos os deputados e senadores paras aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 25/2022, que visa ampliação em 1,5% do repasse do FPM para as prefeituras.