“Não quis intervir porque a predação faz parte da natureza, mas a jiboia ficou desconfiada quando me aproximei, deu um bote pro meu lado e, pouco tempo, depois soltou a sabiá já morta”, completa. Nas imagens, é possível ver que a cobra está com a boca repleta de penas da ave.
Após a constrição – processo de estrangulamento da presa -, o biólogo especialista em aves conta que pegou a cobra e a levou para uma mata próxima a sua casa. “Não queria ela viciada em comer os passarinhos aqui do quintal e na mata ela vai estar no seu real ambiente. Tem gente que ficaria apavorada com uma cobra em casa. Eu adorei a visita, mas cada um no seu espaço”, escreveu.
Para entender mais sobre predações como essa, o Terra da Gente conversou com a herpetóloga – bióloga especialista em répteis e anfíbios – e doutora em Biodiversidade Karina Banci, que atua no Laboratório de Ecologia e Evolução do Instituto Butantan há 13 anos.
Segundo ela, animais da família Viperidae caçam por espreita. “Isso significa que ela fica em rodilhadinha, camuflada ali no ambiente esperando que alguma presa se aproxime para ela fazer a captura. E essa escolha do local não é ao acaso. Elas usam pistas. Eventualmente cheiros ou alguma coisa assim para escolher locais onde ela saibam que essas presas passam ou visitam”, explica.
“Os sabiás se alimentam de frutinhas, né? Então, frequentemente eles visitam essas árvores frutíferas. O fato dessa jiboia estar na árvore, por exemplo já favorece o encontro com sabiá. Elas ficam ali, na espreita e quando essa ave vai atrás da fruta, ela consegue capturá-la”
De acordo com Karina, cobras como essa se valem dos órgãos dos sentidos para fazer a localização da presa e dar o bote de maneira assertiva. As jiboias, no caso, vão se valer muito da visão, do olfato e de órgãos termoreceptores. Com eles, as cobras conseguem sentir o calor de organismos que estão volta por meio de estruturas localizadas nas escamas da boca, chamadas de fosseta labial.
Jiboia (Boa constrictor) predando sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris) — Foto: Reprodução/Ciro Albano/Instagram
“Assim como a sucuris e as pítons, as jiboias são grandes constritoras, ou seja, elas matam a presa por asfixia. Então ela dá o bote, morde a presa e já em enrodilha o corpo, apertando, comprimindo o corpo desse animal que acaba morrendo”, descreve a pesquisadora.
Para facilitar a ingestão, o processo começa pela cabeça e, assim, o corpo passa a oferecer menos resistência. A bióloga diz que isso é importante para que processo de ingestão não seja tão demorado, pois enquanto a jiboia se alimenta, ela também fica vulnerável a ser predada.
“Por serem serpentes de grande porte, que podem chegar a três metros, ela geralmente são predadas por animais maiores. Jacarés, grandes felinos, mas elas também podem ser predadas por aves, especialmente grandes áreas de rapina”,
E no caso dos filhotes, ela diz que são ainda mais suscetíveis a essa predação pelas aves considerando a relação do tamanho e sucesso de captura pelas aves. “Esse indivíduo do vídeo possivelmente é jovem, então um indivíduo desse tamanho poderia ser predado por uma grande ave de rapina”, relata.
Da captura até a ingestão completa da ave, passam em torno de 15 minutos. A jiboia é capaz de digerir ave, exceto pelas partes duras: bico, garras e penas – partes que são eliminadas junto com as fezes.
Jibóia predando sabiá-laranjeira — Foto: Reprodução/Ciro Albano/Instagram
Com dieta generalista, as jiboias podem se alimentar de diferentes presas. Conforme Bacin, elas não são especializadas em aves e se alimentam principalmente de roedores, embora lagartos, anfíbios e aves tenham uma participação importante na dieta. Uma outra curiosidade é que a jibóias podem comer morcegos, outro bicho que também voa.
“Um levantamento mostrou que as aves representam cerca de 18% da alimentação das jiboias. Mas é claro que a gente também tem que ter em consideração que existe uma variação regional, inclusive em função da própria disponibilidade de presas dado que a jiboia tem uma distribuição geográfica bastante ampla, que vai do México até Argentina, em diferentes ambientes, áreas mais abertas e mais fechadas. Mas as aves tem uma importância significativa aí na dieta da jiboia assim”, afirma.
A herpetóloga explica também que a frequência com a qual a serpente se alimenta depende bastante do tipo de presa que ela consome. Serpentes que comem presas menores ou menos calóricas têm que se alimentar com uma frequência maior, como as dormideiras – que se alimentam principalmente de lesmas e caracóis
Já as cobras que comem essas presas mais calóricas podem ficar vários meses sem se alimentar, podendo passar seis meses, até um ano sem comer. “É claro que isso tem consequências para a saúde desse animal, mas elas conseguem aguentar e um longo tempo de jejum”, completa Karina.
g1