Tradição de comer comida baiana na sexta-feira santa carrega um encontro de culturas fruto de processo histórico
Foto: Tradição carrega encontro de culturas fruto de processo histórico (Acervo iBahia)
Vatapá, caruru, farofa de dendê e moqueca já são tradição na mesa e no prato dos baianos na sexta-feira santa. Mas de onde surgiu o costume e qual a relação com a data?
Primeiro, é preciso lembrar que as comidas de dendê são as principais opções do cardápio de toda sexta-feira, não apenas a da Paixão de Cristo. E se engana quem acredita que tem a ver com o candomblé.
O historiador, especialista em história da gastronomia, chefe de cozinha e Babalorixá, Elmo Alves, explica que a cozinha de santo é um cozinha onde o dendê, de fato, é um elemento importante. Mas nem todos os orixás aceitam o ingrediente.
“A cozinha de santo é uma cozinha onde o dendê é um elemento modal importante, muito utilizado, embora nem toda cozinha de santo seja uma cozinha de dendê porque há orixás que não aceitam o ingrediente, como é o caso de Oxalá”, conta.
A tradição de comer comida baiana na sexta-feira santa carrega um encontro de culturas fruto de um processo histórico, que une pelo paladar o catolicismo e as religiões de matriz africana. Se para os católicos, a Semana Santa marca a abstenção da carne vermelha em respeito ao derramamento do sangue de Cristo, por outro lado, no candomblé, a sexta-feira deve ser de comida mais leves, já que o dia é visto como purificador e de leveza.
Segundo Elmo Alves, o almoço da sexta-feira santa como é conhecido hoje foi passado de pais para filhos em um processo de construção da identidade alimentar da cozinha de dendê, que, em especial, na sexta-feira da Paixão, é muito forte nas cidades do recôncavo baiano.
“O que nós comemos também passa pela nossa identidade, porque o que comemos também passa pela nossa identificação e vai ganhar sentido maior”, conta Elmo.
“Essa tradição acaba sendo muito peculiar nas cidades que estão no entorno do recôncavo baiano, como Salvador, Santo Amaro, Cachoeira, Santo Antônio de Jesus, onde o dendê dá identidade, pertencimento, a noção de união e de comensalidade. Não comer só por comer, mas comer para reunir e agregar”, explica.
Então, há um encontro dessas duas culturas. O peixe, símbolo do cristianismo como alimento abençoado, dos apóstolos do martírio de Cristo na sexta-feira santa, e por isso considerado sagrado e indicado para a data; e a tradição da cozinha afro-baiana e religiosa, onde o dendê é o elemento emblemático.
“Toda sexta-feira se tornou uma reprodução da sexta-feira santa e é dia de celebrar e trazer à mesa tudo aquilo que representa esse povo através da comida. E é essa comida tradicional, típica, que traz essa identidade afro-católica baiana para a mesa”, finaliza Elmo.
IBahia