Em todo o estado, em um universo de 417 prefeituras, 54 prefeitas se elegeram nas eleições deste ano. O índice representa 12,78% dos cargos de chefia do Executivo. Das 54 eleitas, 11 foram reeleitas e 43 são de primeiro mandato. Se comparado aos pleitos anteriores, o resultado manteve-se estável e com pouca mudança. Em 2016, por exemplo, houve 56 mulheres eleitas e, em 2012, foram 62.
Somente três mulheres conseguiram vitórias nos 20 maiores colégios eleitorais da Bahia. A prefeita de Lauro de Freitas, Moema Gramacho (PT), reelegeu-se para o segundo mandato e, junto a Suzana Ramos (PSDB), de Juazeiro, e Cordélia Torres (DEM), de Eunápolis, elas são as três prefeitas que governam as cidades baianas com maior número de eleitores.
“Nunca é demais afirmar que as mulheres já mostraram que são tão capazes quanto os homens, mesmo em profissões que historicamente foram sempre assumidas por homens. E na política não é diferente. As mulheres usam sua sensibilidade para desempenhar melhor as tarefas que lhe são confiadas, até porque por muito tempo lhes foi imposto cuidar do lar e da família. Então não seria difícil transferir esse aprendizado pra vida pública. Mas as mulheres, além de dedicação, atuam com respeito à coisa pública”, destacou Moema Gramacho.
“Tivemos muitos avanços nas últimas décadas e, por isso, conseguimos ampliar a participação das mulheres nas disputas, entretanto, ainda somos extrema minoria dentre os eleitos, seja no Legislativo e pior no Executivo”, complementou a petista.
A prefeita eleita do município de Lençóis, Vanessa Senna (PSD), afirmou que a ausência de mulheres nos espaços de decisão política foi motivo para que se candidatasse à prefeitura do município.
“Cresci percebendo que apenas homens detinham o poder de decisão na minha cidade. Dessa angústia surgiu a minha vontade de provar que uma mulher também poderia e deveria participar desse processo. Terei a primeira oportunidade de gerir o meu município no quadriênio de 2021 a 2024 e pretendo, sim, deixar um legado que homens e mulheres devem trabalhar juntos na solução dos problemas que afetam a vida das pessoas. Terei a oportunidade de mostrar que a mulher é capaz e que ela consegue”, destacou.
Para Juliana Araújo (PL), prefeita eleita do município de Morro do Chapéu, as mulheres têm um modo peculiar de gerir a coisa pública.
“Nós, mulheres, temos um jeito peculiar de administrar, temos mais sensibilidade, olhamos com mais respeito, com mais dignidade. Por exemplo, eu me vejo no lugar de uma dona de casa. O homem não tem essa sensibilidade”, destacou.
Primeira mulher eleita para o Executivo municipal no município de Santo Amaro da Purificação, Alessandra Gomes (PSD), 44 anos, derrotou o então atual prefeito, Flaviano (PP), que buscava a reeleição. De acordo com Alessandra, o fato de ser mulher é um trunfo para a gestão pública.
“A grande importância é que ninguém sabe cuidar tão bem de uma mulher como outra mulher, a sensibilidade existente em nós só nós sabemos, por isso a importância das mulheres na gestão pública para introduzir essa forma sensitiva de cuidar das mulheres e de todos serem tratados pela gestão pública utilizando o princípio da isonomia, que significa igualdade de todos perante a lei”, disse a prefeita.
Em Nazaré, a democrata Eunice Barreto Peixoto conseguiu um feito histórico: primeira mulher eleita e reeleita no município. Eunice destaca a importância da mãe em sua carreira política e que o fato de ser mulher lhe confere um olhar “humanizado” na gestão pública.
“Ser mulher me motivou a trilhar minha carreira política, tomando como maior exemplo minha mãe, uma mulher forte, destemida e que enfrentou muitos desafios para liderar nossa família ao ficar viúva ainda jovem, tendo que criar oito filhos sozinha. Com certeza, ela foi e é, até hoje, minha maior inspiração”, aponta. “Em minha gestão, o fato de ser mulher faz toda a diferença. Acredito que o olhar de uma mulher é mais criterioso e sensível e, por isso, a marca registrada da nossa gestão tem sido a humanização de todos os serviços à população”.
Machismo é um desafio
Para a prefeita Moema Gramacho, a maior dificuldade hoje de uma gestora do Executivo é o machismo. “Na minha opinião a maior dificuldade hoje de uma mulher se candidatar a um cargo eletivo e ser eleita é ainda a predominância do machismo e do preconceito. E isso não se resume ao momento eleitoral, exclusivamente, mas sim ao cotidiano onde a maioria das mulheres continua tendo duplas ou triplas jornadas, sobrando pouco tempo para fazer a política; recebem salários menores que os homens, às vezes na mesma função; e, apesar de terem direito a recursos para se qualificar pelos partidos políticos, poucos são os partidos que utilizam tais recursos para essa finalidade”.
Opinião semelhante tem a prefeita eleita do município de Carinhanha, Francisca Alves Ribeiro (PT), mais conhecida como Chica do PT.
“O que afeta nossa gestão é a cultura do machismo. Uma mulher como eu, que não tem ensino superior e que vem de uma família pobre, a cultura é de que homens, além de serem homens, eles têm a capacidade de governar”, revela Francisca.
“A maior dificuldade é os homens aceitarem que uma mulher tem capacidade de governar o Executivo. Quando muito, acham que a mulher ganha e não governa. Pensavam que eu seria eleita e não mandaria no governo, mas eu ganhei e mandei. As decisões, as marteladas, eu não abri mão do poder que temos quando somos eleitas pelo voto popular. É uma cultura machista mesmo”, completou.
Regras eleitorais
Desde os anos 90, o Brasil vem adotando uma série de regras eleitorais com o objetivo de aumentar a quantidade de mulheres candidatas e eleitas. Há hoje um conjunto de leis que procura estimular a participação feminina na política, como a Lei 9.504/1997, que determinou a reserva de 30% das candidaturas dos partidos ou coligações para cada sexo em eleições proporcionais.
Segundo último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), elas são 51,9% da população, mas continuam sendo minoria na política.
Para a socióloga e pesquisadora do Instituto Ceafro (Iceafro), Vilma Reis, que neste ano tentou candidatar-se à prefeitura de Salvador pelo Partido dos Trabalhadores (PT), há uma sub-representação histórica das mulheres na política brasileira.
“Temos uma imagem distorcida das mulheres na política representativa do país. O movimento feminista tem feito muita luta para garantir a presença de mulheres nos espaços da política e de decisão, fazemos esforço para responder de forma organizativa a esta ausência, fortalecendo mulheres negras na busca de ocupar espaços de poder. Até as eleições de 2018, não havia fiscalização por parte das autoridades que coordenam a eleição no cumprimento das cotas das mulheres na política. Pelo contrário, temos um esvaziamento e destruição dessas políticas no ambiente político”, avalia Vilma.
Isadora Lopes Harvey, cientista política e doutoranda em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo (PPGNEIM) na Universidade Federal da Bahia (Ufba), diz que, apesar de políticas de reparação destinadas a fomentar a participação de mulheres na política, o cenário é ainda de maioria masculina.
“Apesar dos avanços nas políticas de ação afirmativa que buscam corrigir as discrepâncias na representatividade política de mulheres, a política nacional se mantém majoritariamente representada por homens, brancos, heterossexuais e de classe média-alta. Dados sistematizados pelo Movimento Mulheres Negras Decidem nos mostram que, para as eleições de 2020, candidaturas de mulheres cresceram 2% em relação a 2016, assim como o número de eleitas, acrescido em 2,4% quando comparada ao pleito anterior. Ainda assim, o número total de homens eleitos é 68,6% maior do que o de mulheres”, afirma.
“No caso das mulheres negras, os empecilhos são ainda maiores dos que os enfrentados pelas mulheres brancas. Apesar de terem apresentado números muito próximos de candidaturas, mulheres brancas tiveram uma taxa de elegibilidade 2,3 maior do que a de mulheres negras. A corrida eleitoral de 2020 ainda nos indica uma lacuna nos mecanismos de garantia à efetividade de medidas que visem à correção de distorções políticas na representatividade de mulheres e, principalmente, de mulheres negras”, endossa a cientista política.
Apesar das dificuldades, as prefeitas eleitas no estado acreditam que a participação de mulheres na política tem aumentado e que o movimento tende a crescer.
“Percebemos um expressivo aumento de candidaturas femininas, prova que as mulheres estão se engajando cada vez mais no que diz respeito à participação na política. Sou otimista e espero que nos próximos anos essa desproporção seja melhor equilibrada. Temos um longo caminho a percorrer, mesmo diante de algumas conquistas”, comentou Vanessa Senna. “Somos mais da metade da população e a maioria do eleitorado; é necessário que tenhamos uma representatividade política equivalente a esse volume; demonstrar que somos capazes de resolver os problemas e melhorar a qualidade de vida das pessoas”, complementa.
A prefeita de Santo Amaro, Alessandra Gomes, afirmou que cada vez mais mulheres estão ocupando espaços de decisão e que o movimento deve se manter. “Aos poucos estamos ocupando os nossos espaços, mesmo sendo de uma forma lenta, há poucos anos a mulher não tinha nem o direito ao voto e hoje temos o direito de assumir cadeiras onde na família patriarcal não podia ter. Com isso nós, mulheres determinadas, provamos que o lugar das mulheres é onde elas quiserem”, comentou.
Exemplo e motivação
Eunice Peixoto, por sua vez, espera que sua vitória no município de Nazaré possa servir de motivação para outras mulheres: “Espero poder servir de motivação para que mais mulheres possam seguir o mesmo caminho que eu”, disse. “Somos a maioria da população brasileira, portanto devemos ter mais e mais mulheres prefeitas. Quem melhor que uma mulher para entender, representar e lutar pelos direitos de outras? Sou totalmente a favor que tenhamos mais mulheres representantes do Executivo, tanto no municipal, estadual e, por que não, no federal, não é verdade?”.
“Eu quero levar o meu exemplo. A mulher deve estar onde ela quiser estar, e eu queria mostrar às mulheres de Morro do Chapéu e da região que nós, mulheres, podemos ser mães, mulheres, prefeitas, o que a gente quiser”, disse a prefeita Juliana Araújo, de Morro do Chapéu.
Moema Gramacho reconhece as dificuldades de uma mulher se lança à política, mas afirma que vale a pena. “Vale a pena as mulheres continuarem lutando pelos espaços de poder. Se omitir é deixar que outros decidam sobre seu destino. E quantas coisas positivas já conquistamos através de mandatos femininos. Ter vencido o poder econômico, as mentiras, as ofensas e as eleições pra prefeita em Lauro de Freitas pela quarta vez é motivo de orgulho e agradecimento ao povo pelo reconhecimento ao nosso trabalho”, pontuou.
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