É como se Maetinga, Catolândia, Lafaiete Coutinho, Lajedinho e quase toda Lajedão deixassem de existir em um ano. Esse é o trágico efeito da covid-19, doença fatal para 17.303 baianos, segundo os dados do boletim epidemiológico de domingo (18) da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab). A quantidade de mortes é quase igual a população dessas cinco cidades baianas que, no total, possuem 17.789 habitantes, de acordo com a projeção mais atualizada do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os cinco municípios citados estão espalhados em quatro regiões diferentes da Bahia: Maetinga e Lafaiete Coutinho ficam no centro-sul, enquanto Catolândia está no centro-oeste, Lajedinho no centro-norte e Lajedão no extremo sul. Ambas possuem como característica em comum o fato de serem cidades pequenas, que não chegam a 4 mil habitantes. Juntas elas possuem 1,3 mil casos de covid-19 registrados e 17 mortes.
Para o especialista, as ações adotadas atualmente não visam controlar a pandemia e sim reduzir danos. “As medidas são feitas para que consigamos atender os casos de graves. É daí que se pensa tanto na disponibilidade de leitos e insumos farmacêuticos, como se a pandemia não fosse um problema epidemiológico. Temos que ter uma estratégia eficaz que reduza a transmissão do vírus e estamos longe disso. Não é só um problema da Bahia é o Brasil todo que está nesse caminho”, diz.
O número de mortos por covid-19 na Bahia também é superior à população individual de 215 cidades do estado. Mesmo assim, a taxa estadual de letalidade da doença é de apenas 2,01%, uma das menores do país. “Letalidade é a proporção de óbitos em relação ao número de pessoas que têm a doença. É um dado importante, pois mede a capacidade do sistema em tratar corretamente a doença e evitar mortes”, explica o professor Naomar.
A Bahia é o sétimo estado com menor letalidade do país, que tem 2,7% no total. Na outra ponta da lista está o Rio de Janeiro, com 5,9%, índice muito acima do considerado normal. “A letalidade da covid no mundo é menor que 1. A Bahia ainda está acima do padrão mundial, mas comparando com os piores cenários dentro do nosso país, estamos realmente numa posição boa”, argumenta o cientista.
Social
Das 17.303 mortes na Bahia por covid, 55% eram homens e 45% mulheres. A imensa maioria das vítimas tinham cor parda (55%), seguidos pelos brancos (22%) e pretos (15%). Outros 0,13% dos óbitos foram de indígenas e no restante não havia informação de cor. O percentual de óbitos com comorbidade foi de 65,60%, sendo as doenças cardíacas e crônicas as mais presentes. Para o professor Naomar, esses números mostram que há uma questão social atrelada à letalidade da covid.
“Não é só a questão do cuidado e sim a condição em que as pessoas chegam no sistema de saúde e se o próprio sistema consegue aplicar todas as medidas para evitar o óbito. É algo complexo, pois nosso sistema tem diferenças entre si. Hospitais privados são diferentes dos públicos. Pessoas negras e pobres são as que mais morrem. Tem a condição socioeconômica ligada a isso”, argumenta.
Nesse cenário, a Bahia vive atualmente uma fase de registros diários de grande quantidade de óbitos. No dia 25 de fevereiro, por exemplo, o estado atingiu pela primeira vez a marca de 100 mortes por dia de covid-19. De lá para cá, 52 dias se passaram. Desses, em 36 vezes houve registros iguais ou superiores ao de 100 mortes diárias, inclusive na última sexta-feira (16), quando 134 óbitos foram registrados.
Essa quantidade de mortes tem reduzido a proporção de nascimentos e óbitos no estado. Segundo dados da Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado da Bahia (Arpen-BA), enquanto em março de 2019, para cada 100 nascimentos ocorreram 40 mortes, em 2021, a proporção para o mesmo período foi de 100 nascimentos para 60 óbitos, um recorde na série histórica, que começou a ser calculada em 2003. Em locais como Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro já foram registradas mais mortes do que nascimentos, de acordo com reportagem do Estadão.
Médica infectologista, Adielma Nizarala chama atenção ao fato de que esses números são vidas humanas perdidas que poderiam ter sido evitadas. Para isso, a população também precisa colaborar. “A gente só consegue frear o avanço do vírus com medidas de controles. As pessoas precisam entender que não tem outra solução. Infelizmente, nós vamos continuar vivendo com a pandemia. Incertezas continuam, mas já temos certezas: vacinação, medidas de higiene e distanciamento social funcionam”, defende.
Ainda para a especialista, uma medida mais radical, como o lockdown, para frear o número de casos, teria que ser feito com a coordenação do governo federal.
“Não podemos nem fechar completamente, pois essa é uma posição que precisa ser tomada a niiel nacional. Ser uma coisa unificada e para todos. Então, vamos ter que conviver com as medidas. Se eu fico distanciada das pessoas, uso máscara e higienizo minhas mãos, consigo frear a multiplicação de vírus e casos graves. Quanto mais cuidados, mais haverá diminuição de transmissão”, diz.
Já o professor Naomar, crítico da forma como o país tem lidado com a pandemia, não acredita que os números vão melhorar nos próximos dias. “Na primeira onda, os números se estabilizam em níveis altos e caíram de forma devagar. O que me parece é que, nessa segunda onda, ao invés da gente reduzir rapidamente os números, como aconteceu em outros países, nós estamos atingindo um novo cenário de estabilidade, só que com só números lá em cima. Meu receio é que essa segunda onda seja semelhante a primeira, o que nos coloca no risco de vivermos uma terceira onda, pois se o vírus circula, ele varia. E aí tem a reinfecção”, lembra.
Para superar o problema, o especialista só vê duas alternativas: ou adoção de políticas que reduzam drasticamente os níveis de transmissão, casos e mortes ocasionados pela doença ou a vacinação massiva e acelerada da população. “Não essa que está sendo feita. Tem que aumentar o número de doses aplicadas em todos”, diz.
O CORREIO tentou repercutir o assunto com a Rede CoVida, mas não teve retorno.
Cidades
Embora o estado tenha taxa de letalidade considerada baixa para os padrões nacionais, com apenas 2,01%, algumas cidades baianas chamam a atenção pela quantidade de mortes. Nove delas chegam a ter letalidade acima de 5%, segundo os dados da Sesab. É o caso de Canavieiras, Igaporã, Santana, Malhada, Água Fria, Brejolândia, Rio do Pires, Chorrochó e Paramirim.
Nessa última, localizada no centro-sul baiano, 14 óbitos e 199 casos foram registrados, de acordo com o boletim estadual de sábado (17), o que dá uma taxa de letalidade de 7,04% na cidade de população de 21 mil habitantes. Para o professor, esses números são sinais da desigualdade ao acesso a saúde que existe dentro do estado.
“Em geral, cidades menores e distantes tem menos acesso ao sistema de saúde. Os casos que estão aparecendo lá não estão chegando aos hospitais ao ponto de conseguir manter as pessoas vidas. Quando isso ocorre, é preciso fazer um tratamento especial para esses locais, o que está distante do que temos oferecido no Brasil”, lamenta.
Mesmo com a alta taxa de letalidade, o professor explica que, caso o problema dessas cidades fosse resolvido, não haveria um impacto significativo nos dados do estado, por os municípios pequenos não terem grande expressão nos dados. “O padrão da Bahia é mais determinado pelos municípios de maior população, onde tem mais transmissão, casos e óbitos, mas também mais rede hospitalar”, explica.
Atualmente, a Bahia possui apenas uma cidade que não registrou mortes por covid-19. Trata-se de Cravolândia, localizada no centro-sul do estado, na região do Vale do Jiquiriça. Em 2021, segundo a Sesab, das 417 cidades baianas, apenas 11 não registraram mortes por covid. No entanto, os nomes desses municípios não foram divulgados.
* Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.