Há mais de 30 anos, a feirante Raimunda Novaes – ou simplesmente Dona Raimunda – cumpre semanalmente a mesma rotina: toda quinta-feira e todo domingo, por volta das 5h30, sai da sede do município baiano de Palmeiras, onde mora, e segue por aproximadamente 20 km até o distrito do Vale do Capão para vender frutas, legumes e verduras. Ela foi a pioneira da feira na localidade.
“Não tinha ninguém aqui. Nem tinha calçamento, era um jardim e bancos. Somente 10 anos depois de eu trabalhar sozinha que apareceu mais feirantes. Sempre trouxe verduras e frutas. A primeira vez que vim aqui eu parei três vezes. Passava mal com a altitude”, relembrou ela ao Alô Alô Bahia.
Antes de chegar com suas mercadorias no Capão, Dona Raimunda já tinha experiência com feiras livres. Sua relação profissional com os mercados a céu aberto começou ainda jovem. Ela já montou sua banca em diversos lugares da Chapada Diamantina, como Andaraí, Mucugê e Iraquara. A feirante conta que também foi a pioneira em Lençóis, onde hoje seu ponto fica com a filha Marta.
Assim que chegou para vender suas mercadorias no Capão, Dona Raimunda ia somente dia de domingo. Seus principais clientes eram os donos de pousada, que na época não tinham fornecedor de hortifruti fresco no local. A demanda era tanta que a feirante sentiu a necessidade de abrir a banca também nas quintas-feiras.“Tinha até fila de espera”, disse.
O que antes ela levava de carreto, hoje ela leva em um caminhão próprio. Suas frutas, verduras e legumes – alguns deles produtos orgânicos – são de produtores de roças do próprio município de Palmeiras.
A feirante comentou sobre as mudanças no Vale do Capão, que hoje estima-se possuir em torno de 200 empreendimentos de acomodação turística, como hotéis, pousadas e campings: “Mudou muito. O movimento aumentou, cresceram os números de pousadas e de pessoas que passaram a visitar aqui. Começaram a vender terras por aqui, naquele tempo ninguém queria ficar aqui”.
Feirante com amor
Com 77 anos, Dona Raimunda faz questão de atender cada cliente: “Só não posso pegar peso porque tenho problema na coluna”. Além de feirante, ela é professora formada. Já alfabetizou duas turmas de um povoado chamado Conceição de Baixo, que também fica em Palmeiras. Apesar de lembrar da época com muito carinho, garante que seu amor maior é pelas feiras.
“É uma profissão boa. Eu dependo dela. Eu sou aposentada e o dinheiro da aposentadoria não dá para se manter. Tem pessoas que me agradecem muito, dizem que sem mim elas não poderiam fazer doces, comida”, compartilha Dona Raimunda, que parou no momento desta resposta para atender – com toda atenção e carinho – “o cliente mais pechincheiro do Capão”, segundo ela.
A pioneira da feira do Capão também recebe muito amor. Ela lembrou de um dos momentos que, segundo ela, foi um dos mais bonitos da sua vida: “No dia do meu aniversário, todo mundo aqui na feira se levantou de pé para bater meus parabéns”.
A pluralidade da feira do Vale do Capão
Dona Raimunda não imaginava, mas a mesma feira que há 30 anos só tinha sua banca é atualmente uma das principais atrações do Vale do Capão, o maior destino turístico do município Palmeiras. O local é uma verdadeira oportunidade para conhecer pessoas e culturas de diversas partes do mundo.
Nas manhãs de quinta e domingo, moradores e turistas de várias partes do Brasil e do mundo se misturam para comprar de tudo: desde hortifruti a pastel – com destaque para o de palmito de jaca, iguaria típica do local -, além de diversos artesanatos e outros produtos de alimentação, do sushi ao acarajé.
“Acho ótimo (o crescimento da feira). Ela não foi feita somente para mim, foi feita para todos. Eu agradeço as pessoas que vieram. Todos têm uma reverência a mim, que fui a pioneira desta feira”, finalizou Dona Raimunda, que é chamada de protetora dos viajantes – título dado por aqueles e aquelas que chegaram de fora do país e tentam vender algo no local.
Dona Raimunda com Ramiro, jovem argentino que te ajuda nos dias de feira no Vale do Capão
Fotos: Kirk Moreno/Alô Alô Bahia.
