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‘Rotina é emocionalmente pesada’, diz gestora hospitalar sobre dar suporte à equipe

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A crise sanitária mundial destacou o protagonismo das mulheres. Maioria na linha de frente do combate à covid-19, elas são a principal força de trabalho da saúde em todo o mundo. Diante das condições extenuantes do cenário atual, precisam ser lembradas como verdadeiras heroínas, com nomes marcados na guerra biológica que entra como um dos mais duros capítulos da história da humanidade. Elas representam mais de 70% dos profissionais da área de saúde e serviços sociais, segundo o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Esta liderança, no entanto, vem acompanhada ainda de preconceitos e fardos desproporcionais que, culturalmente, as mulheres carregam muitas vezes sozinhas.

Elas são enfermeiras, técnicas e auxiliares, fisioterapeutas, farmacêuticas, psicólogas, assistentes sociais, nutricionistas, biomédicas, médicas, motoristas de ambulância, profissionais da limpeza, gestoras e desempenham uma série de outras funções.

É preciso homenageá-las sem esquecer que, neste cenário pandêmico, várias mulheres estão enfrentando dramas como o aumento da violência doméstica, maior carga de tarefas não-remuneradas — sobretudo de cuidado com crianças e parentes doentes ou idosos — além de desemprego e pobreza. Nesta segunda-feira, 8 de março, o CORREIO traz depoimentos de três mulheres que estão na batalha contra o vírus, em diferentes profissões, para homenageá-las e lembrar a luta que é ser mulher todos os dias no caminho em direção à igualdade de gênero. A seguir, conheça a história de Patrícia Andrade Viana, 51 anos, controladora e responsável pela farmácia do Hospital Espanhol.

O dia a dia de Patrícia: Quando atravessa o portão do Hospital Espanhol, a gestora sabe bem como vai começar sua jornada de trabalho. Até a saída, no entanto, várias emoções e conflitos podem acontecer. Obrigatoriamente, ela primeiro precisa ir até o setor que coordena, a Farmácia, para checar a disponibilidade de insumos. Se tem remédio, luva, algodão, essas coisas. Se algo está perto de faltar, corre para determinar a compra de mais. Não pode zerar os estoques, a vida dos pacientes depende disso. Patrícia, que é médica, casada com um médico e mãe de médicos – ela tem quatro filhos – cumpre um turno de 12 horas diárias, às vezes mais. Brinca que mora no hospital, virou uma árvore, criou raízes ali. Entra bem cedinho e só sai após às 19h. Nessa longa jornada, precisa andar bastante, conversar com todo mundo, saber como está a equipe. Às vezes, a exaustão dos trabalhadores dá espaço para discussões e ela precisa acionar o espírito materno para restabelecer o clima tranquilo entre os “filhos”.

Leia o depoimento de Patrícia Andrade Viana:

“Eu trabalho com a farmácia, mas não apenas com ela. Eu tento me envolver em todos os processos com todos os colaboradores do hospital. Um dos meus papéis é cuidar dos meus colegas. Eu preciso que meus amigos e colegas, de quem tanto me orgulho, estejam preservados com o uso dos Equipamentos de Proteção Individual. É importante para mim.

Eu me dedico principalmente a divulgar que o EPI precisa ser usado, tento ser exemplo lá dentro e não tiro minha máscara, minha paramentação é completa porque eu preciso dar exemplo. Sempre digo que não somos grupos, somos uma unidade. Não tem isso de grupo da farmácia, grupo da nutrição, da gerência. A gente tem que se ver como unidade. Você pode ter o melhor médico, que receite o melhor remédio, mas se você não tem alguém como eu e a minha equipe que compre o medicamento, não adianta nada.

Nossa rotina é emocionalmente pesada. A gente lida com dores, perdas das famílias. A gente ouve muito mais do que fala. Precisamos conter algumas emoções ou, às vezes, ter o bom senso de que as nossas emoções humanas sejam extravasadas. Além de ser gestora, estou no último semestre do curso de Psicologia, então essa é uma grande vantagem. Hoje faço muita mediação de conflito. Chamo todos de meus, de equipe, e todos me chamam de Paty, ou Dona Paty, e isso é uma prova mínima, mas é a maior prova, para mim, de que o meu trabalho está dando certo. Sinto que elas entendem que sou próxima a elas e elas sabem que podem contar comigo, isso me retroalimenta. Minhas forças voltam.

É uma vivência que nunca tive, ninguém teve. Hoje faço uma gestão de conflitos muito mais eficaz. A gente tinha conflitos esporádicos, de uma ou outra área, de inter-relacionamento entre um colega e outro. Hoje temos todo um segmento que tá muito reativo, sendo levado ao limite. Então, é natural que as pessoas tenham tendência à agressividade, explodindo por qualquer coisa. Nós, gestores, exercitamos e aprimoramos na gestão de conflitos. Essa lição foi algo que não treinamos na academia, aprendemos na prática como fazer essas gestões. Foi com certeza uma oportunidade de crescimento pessoal e deve estar sendo para muitos dos meus colegas.

Tenho várias lições que tirei disso. Acho que a empatia eu já possuía bastante, mas não tão exacerbada como tenho hoje. De olhar o outro de forma mais ampla, sou mais disponível. Sempre tive fé, mas hoje ela é menos questionável. Tem muitas coisas que me fizeram crescer, dor faz crescer, é uma pena que foi na dor. Mas também tive muitas alegrias fortes, vitórias, porque comemoro todas as altas.

Eu vibro, eu choro, me emociono com as famílias. Minha sala fica no 1º andar e quando ouço uma alta, desço correndo, desejo força e peço que Deus acompanhe. Pareço uma menina besta. Se eu tiver que descer 50 vezes, desço feliz para acompanhar as altas porque é o que me alimenta, isso me dá forças para entrar todos os dias naquele portão. Eu deixo minhas energias ali dentro porque eu quero. Tem a ver com o que eu escolhi para mim.

 Minha maturidade, minha idade está sendo importantíssima. O fato de ser mãe de médicos e médica, esposa de médico, de ter vindo de uma família de médicos que tem um orgulho mostro do SUS faz com que eu entenda perfeitamente o que é a saúde. Sou uma pessoa que, além de usar o SUS, como qualquer um usa quando toma vacina, eu operacionalizo o SUS e isso me deixa extremamente honrada.

Estou num cargo de gestão. A gente sabe que a desvalorização econômica do trabalho das mulheres é histórica, principalmente nos postos de liderança. Graças a Deus está mudando, as coisas estão melhorando, muito se tem para caminhar. Não dá para falar só em passado, mas também dizer que não avançamos não é verdadeiro. Precisamos de mais, mas já temos passos muito bons.

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