Uma das principais comunidades bolsonaristas no Telegram, o Grupo B38 foi temporariamente suspenso do aplicativo nesta semana, em um sinal de mudanças no uso da plataforma que afetam todos os usuários no Brasil.
Após a medida, a empresa também alterou nesta quarta-feira (11) suas regras de uso, prevendo que passará a fazer a remoção de conteúdos ilegais.
As alterações na plataforma, conhecida por ter pouca moderação, ocorrem após o Telegram ter entrado na mira do Judiciário brasileiro, especialmente devido ao risco de disseminação de notícias falsas que possam afetar as eleições deste ano.
O grupo bolsonarista suspenso do Telegram passava de 60 mil usuários, era foco de desinformação e havia sido criado por militares da reserva no Recife para apoiar a campanha de Jair Bolsonaro (PL) em 2018.
O B38 tem representantes pelo país, site e reúne uma militância organizada.
Usuários que tentavam ingressar ou visualizar as mensagens do grupo, que é público, encontravam o aviso de que a empresa deu tempo aos moderadores para removerem mensagens após alguns usuários terem postado “conteúdo ilegal”. A suspensão foi noticiada pelo site Núcleo Jornalismo nesta terça (10).
Um dia depois, o Telegram atualizou seus termos de serviço, ao menos na página em português. Entre os itens vetados agora está “abusar da plataforma pública do Telegram para participar de atividades reconhecidas como ilegais pela maioria dos países –como terrorismo e abuso infantil”.
Até então, os termos de serviço do Telegram previam três casos em que o aplicativo não pode ser utilizado “para enviar spam ou praticar golpes em nossos usuários”; “promover a violência em canais públicos do Telegram, bots, etc.” e “postar conteúdo pornográfico ilegal em canais públicos, bots, etc”, parte deles também sofreu pequenas alterações de redação.
A reportagem questionou o Telegram se a mudança era apenas no Brasil e quais os motivos para a nova regra, por meio do canal de atendimento à imprensa disponibilizado pela empresa. Além disso, antes da alteração, também enviou questionamentos pedindo mais detalhes sobre a medida de suspensão. Até a publicação deste texto, porém, não houve resposta. Procurado, o representante legal da empresa no Brasil afirmou que não comenta casos envolvendo seus clientes.
Em março, a plataforma assumiu compromissos com o STF (Supremo Tribunal Federal), envolvendo moderação e combate à desinformação, mas até então não parecia ter atualizado suas regras públicas.
Para Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab, a mudança é relevante e parece uma guinada 180 graus.
“É a primeira vez que a gente vê traduzido em documentos e regras do próprio Telegram essa movimentação de retirar mais conteúdo, de ter mais moderação mesmo”, diz. “Eles estão mudando a promessa que estão fazendo para os usuários em relação à moderação de conteúdo. Isso é importante”.
Porém, ele considera a movimentação insuficiente, pois é muito ampla e critica que se coloque apenas dois exemplos [terrorismo e abuso infantil]. “Me pareceu um salvo-conduto genérico para moderar conteúdo que vai ser utilizado de forma discricionária pela empresa, ao sabor dos seus interesses e conveniências”.
Na avaliação da advogada Flávia Levèfre, que é mestre pela PUC-SP e integrante da Coalizão Direitos na Rede, a mudança é relevante e positiva e uma forma de dar concretude ao acordo que foi feito com a Justiça brasileira. “É uma forma de o Telegram estar se adaptando à legislação brasileira e garantindo segurança para os usuários da plataforma.”
Flávia avalia que, apesar de ter um grau de subjetividade na regra, o fundamental é que ela atue com responsabilidade e observância dos costumes e da jurisprudência dos países. Para ela, a vedação a promoção de violência, por exemplo, é mais aberta do que de práticas ilegais.
“Quando a gente fala ilegal, ilegal pressupõe o que está na lei, e a lei proíbe determinadas condutas. Ou seja, pressupomos o que seja inequivocamente ilegal, com um grau de subjetividade pequeno na análise para controle”.
Diferentes plataformas têm termos de uso e regras próprias e, em geral, a moderação realizada por elas ocorre com base em tais regras. A clareza de tais políticas permite que usuários em geral saibam o que pode ser considerado uma infração para cada uma delas.
Além dos termos de serviço, no caso do Telegram, há uma página com perguntas frequentes, mas elas não trazem muitos detalhes sobre moderação.
No ano passado, integrantes do B38 afirmavam planejar carreatas em diversas cidades pelo país, para os atos de raiz golpista do 7 de Setembro, mobilizados pelo presidente.
Ao buscar o grupo no Telegram pelo Google, aparece a quantidade de 63 mil membros junto da mensagem: “Bem-vindo ao maior grupo de apoio a Bolsonaro do Brasil!!!”. Com a suspensão não é possível visualizar a quantidade atual.
“Desculpe, este grupo foi temporariamente suspenso para dar tempo aos moderadores para limpeza, depois que alguns usuários postaram conteúdo ilegal. Nós vamos reabrir o grupo assim que a ordem for reestabelecida”, diz o aviso, originalmente em inglês.
Para Brito Cruz, o aviso de suspensão incluído pelo aplicativo não é claro sobre qual a origem da medida.
“Nós não sabemos se esse conteúdo ilegal que o Telegram está falando foi notificado para o Telegram por uma ordem judicial ou se foi o próprio Telegram que fez essa análise. Isso que a gente não sabe”, diz.
“O que a gente sabe é que a medida de suspensão do grupo como um todo foi uma decisão corporativa e que tem uma dose de ineditismo porque a gente nunca tinha visto outro caso como esse no Brasil.”
Para ele, a partir do momento que uma plataforma toma a decisão de passar a moderar, a transparência passa a ser requerida em muitos mais pontos, já que a partir da decisão surgem uma série de dúvidas.
Flávia Lefèvre considera que transparência é importante, mas ressalta que, havendo práticas ilícitas sendo praticadas, não há ilegalidade na moderação e que, portanto, mesmo antes da alteração da regra a remoção já tinha amparo legal.
“Acho que quanto mais informação melhor e mais atendido o Código do Consumidor, já que a informação é um direito básico de acordo com a lei”, diz ela. “Entretanto, havendo condutas ilícitas sendo praticadas na plataforma, não considero ilegal a remoção de conteúdo ou a suspensão de contas”.
Em março, após decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, de suspender o funcionamento do aplicativo de mensagens no Brasil, a plataforma se pronunciou em processo.
Além de cumprir as determinações do ministro, que envolviam a remoção de mensagem do canal oficial do presidente Jair Bolsonaro, a empresa afirmou ainda que passaria a realizar um monitoramento manual dos cem canais mais populares do país, diariamente. Disse ainda que postagens poderiam ser marcadas como “imprecisas”, a partir de parcerias com agências brasileiras de checagem.
Afirmou também que quem divulgar fake news não poderá criar novos canais.
Dias depois, em 25 de março, o Telegram também aderiu ao programa de enfrentamento à desinformação nas eleições do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Até então a empresa vinha ignorando as tentativas de contato da Justiça Eleitoral.
Apesar de o Telegram ter aderido ao programa, o TSE informou que ainda não foi assinado o memorando de entendimento, que especifica exatamente os compromissos assumidos por cada uma das partes no contexto da iniciativa.