Crescem o consumo e as apreensões do canabinoide chamado de spice, k9, ou maconha sintética, a droga que provoca o “efeito zumbi”
São Paulo – “Quando ele usava, ficava igual a um zumbi. Ele babava, vomitava, ficava parado parecendo uma estátua, com os olhos fechados. Caía, batia a boca no chão, dormia nas calçadas”.
Permanece viva na memória da dona de casa Geralda Pereira dos Santos, de 60 anos, a reação do neto João Vitor Santos da Silva, 19, depois que ele fumava a “maconha sintética“, um canabinoide batizado nas ruas como spice ou k9 e que provoca um “efeito zumbi” em quem o consome.
O rapaz mora desde a infância com a avó, na região da Sé, centro da capital paulista, e foi internado há cerca de uma semana em uma clínica de reabilitação, na região de São Roque, no interior de São Paulo.
Segundo a avó, ele usou freneticamente, por seis meses, a droga sintética, que não é maconha, apesar de ser chamada como tal por ser consumida na forma de cigarro e se conectar com os mesmos receptores cerebrais que a erva natural.
Geralda cuida de João Vitor desde que a mãe dele “saiu pelo mundo”, em decorrência da dependência química. Essa mesma condição, segundo ela, teria matado o pai do jovem.
“Meu neto usa maconha desde os 11 anos. Depois, ele também começou a usar cocaína. Mas ele continuou estudando, fazendo os planos dele. Tudo mudou quando ele conheceu a k9, há uns seis meses. Apresentaram para ele como se fosse uma maconha mais forte. Depois disso, nossa vida virou um inferno”, contou Geralda ao Metrópoles.
O jovem se viciou rapidamente, abandonou os estudos e passou a apresentar o chamado “efeito zumbi” provocado pelo canabinoide sintético. A avó do rapaz destacou que nunca tolerou a prática, mas disse que o quadro se agravou nos últimos tempos.
“Ele fumava o dia todo. Ficava igual um morto, mas em pé. Parecia uma estátua. No começo, esse efeito durava três horas. Depois começou a passar mais rápido e meu neto começou a ficar muito agressivo, quando vinha a abstinência.”
O jovem, ainda de acordo com a avó, fumava k9 “desde o momento em que acordava”. O neto ficava na Praça da Sé, onde usuários da droga sintética podem ser encontrados atualmente com facilidade, por causa do “efeito zumbi”.
“Encontrava ele caída no chão, babando, sem abrir os olhos. Tentava levar ele pra casa, mas era difícil. Quando baixava um pouco o efeito, ele ia para casa, trançando as pernas, para pedir dinheiro. Eu acabava dando, para não ver ele agressivo”, relata dona Geralda.
Mesmo com todo o histórico de violência, a avó foi atrás de tratamento para o neto até conseguir com que o jovem aceitasse uma internação. Esse tipo de tratamento pode durar entre seis e nove meses.
O Metrópoles ouviu de adolescentes no centro de São Paulo que eles costumam fumar a maconha sintética para “rebater” o efeito do crack. A droga sintética, no caso deles, é usada para conseguirem dormir na rua, com a mesma finalidade que era usada a cola de sapateiro, também na região central, no passado.
Menino de 12 anos fumou e morreu
A última lembrança que a diarista Kelly Santos tem do filho de 12 anos é dele passando mal, ofegante dentro de casa, após o garoto fumar k9, segundo ela.
David Dias foi levado a um hospital de Diadema, na Grande São Paulo, onde morreu após sofrer uma parada cardiorrespiratória.
De acordo com a diarista, o comportamento dos jovens do bairro Campanário, na periferia da região metropolitana, mudou desde o fim do ano passado, quando a k9 ou spice passou a ser vendida por traficantes.
Ela atribui a morte do filho à droga, que ele teria consumido após ir a uma festa de aniversário, a cerca e uma quadra de casa, e depois para uma pizzaria.
Kelly acrescentou que no Natal as crianças e adolescentes do bairro foram vistas “passando mal, vomitando pelas ruas.”
“Os jovens do bairro mudaram de comportamento. O Natal não foi curtido, não vou mentir Foi tudo nas drogas. Só via criança vomitando, dormindo, mão tinha criança correndo, se divertindo, só droga”, relatou a diarista.
Da cadeia para a rua
O primeiro registro de apreensão da maconha sintética, em São Paulo, ocorreu na véspera do Natal de 2017, na Penitenciária de Presidente Bernardes, no interior paulista. Na cadeia, a droga é chamada de k4 e chega borrifada em folhas de papel, ou fotografias.
Com a popularização no sistema carcerário e aumento da produção – feita em laboratórios clandestinos e assessorada por químicos profissionais – a droga começou a se tornar mais presente em apreensões feitas pela polícia, a partir de 2021.
“Todo usuário não quer só a sensação parecida da maconha, ele quer manter o hábito de fumar. Pensando nisso, para deixar mais parecido com maconha, os traficantes passaram a borrifar o líquido em uma espécie de tabaco. O usuário tem a sensação mais similar de estar fumando um baseado”, explicou o delegado Fernando Santiago, do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcótico (Denarc).
Alfredo Henrique
Exame