Seu José, o 'Morde Chapa', acumula troféus e medalhas de corridas Crédito: Marina Silva/CORREIO
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Atleta de 63 anos corre 122 km e ganha Ultramaratona em Salvador

José Carlos Santana, conhecido como Morde Chapa, corre 42 km todos os dias e mostra que idade não limita sonhos

Na Baixa dos Sapateiros, o discreto corredor de número 332 é o local que abriga mais de dez pares de tênis enfileirados, somados aos oito troféus e inúmeras medalhas estampadas na parede, além dos sonhos do atleta José Carlos Santana, ou simplesmente ‘Morde Chapa’, como é conhecido entre os amigos.

Aos 63 anos, ele vive na pequena casa de dois cômodos há seis meses, desde que saiu de Itabuna, no sul do estado, onde morava com o pai e a irmã. Veio de lá só com a roupa do corpo e alguns pares de sapato, com o objetivo de correr – da forma mais literal possível – atrás do seu sonho.

No início desta semana, ele ganhou de 799 outros atletas na maior categoria da Ultramaratona da Independência, em que a corrida durou 12 horas, no Parque dos Ventos. O sexagenário correu 122 km durante o tempo de torneio e garantiu com orgulho o primeiro lugar geral. Parou apenas duas vezes, para trocar os tênis.

Quem assistia atentamente já sabia de quem seria a vitória três horas antes da corrida acabar: 6 km à frente do segundo lugar, Morde Chapa se destacava a passos consistentes e ágeis, e com fôlego o suficiente para conversar com os adversários em meio às passadas. Está longe de ser a primeira maratona da vida dele: diariamente, o idoso acorda antes do sol para correr 42 km. É como se ele fizesse uma viagem a pé de Salvador até a praia de Jauá, em Camaçari, todos os dias.

Diretamente, são cerca de cinco horas dedicadas ao esporte todos os dias. De forma indireta, tudo que o atleta de 43 quilos faz é para melhorar o desempenho nas corridas. “Eu corro, durmo e como. Minha alimentação é regrada, eu como praticamente só macarrão, ovos, frango e aveia. Mas, para correr, é só um cafezinho, sem nada”, diz ele, que admite que a conduta talvez não seja a mais saudável. Durante a corrida, o lanche é sempre o mesmo: uma rapadura aqui e ali para renovar as energias, bananas, água e gel carboidrato.

Morde Chapa nutre a paixão pela corrida desde que tinha 12 anos, quando começou a auxiliar um time de futebol de garotos na mesma faixa etária que a sua, em Itabuna. Às vezes, acompanhava-os em treinos, mas marcar ou defender gols nunca chamou sua atenção.

“Eles viajavam e eu ficava tomando conta da sede, mas, de vez em quando, treinava junto e sempre corria. Na época, um rapaz do time falava que eu ia ser atleta. Hoje, ele tem 85 anos e diz não acreditar que eu ainda estou correndo. Fala que pareço um menino correndo com essa idade”, conta.

Aos 25 anos, seu José participou de sua primeira maratona. Conciliava a paixão com outros empregos, em lojas de importação e lanchonetes da região. Com as dezenas de quilômetros percorridos por dia ao longo da cidade cacaueira, porém, ele logo conquistou uma fama de louco. “O doido que corre o dia inteiro”, diziam alguns. Itabuna foi ficando pequena para as andanças.

“Eu já fiz o caminho de Canavieiras até Itabuna em 3h30. O prefeito de Canavieiras alugou uma topique, disse que eu não ia aguentar ir andando, e eu respondi que faria o caminho das 22h30 até 2h da manhã. Já corri 56 km em Vitória da Conquista também, e a corrida de São Silvestre, em São Paulo, fiz 25 vezes”, diz.

Vem quase de forma natural a preocupação com os joelhos e articulações de seu José, no alto dos seus 63 anos. Mas o veterano de corridas garante que, para ele, dezenas de quilômetros não são nada.

“No outro dia, se fosse por mim, já estaria correndo de novo. Na Ultramaratona, só não saí para fazer meus 42 km porque meu treinador, Júnior, não deixou. Queria que eu fizesse uma massagem, descansasse. Mas, eu nem me cansei”, brinca.

Se a disposição é de menino, o riso fácil passa a mesma impressão. Seu José compartilha animado as conquistas que teve ao longo dos anos no esporte: os troféus da sala são apenas os conquistados em Salvador. Fora da capital, acumula outros tantos que não sabe precisar.

Nas corridas, conversa por horas seguidas se um adversário puxar papo, mas não perde o objetivo de vista. “Quando eu vou para a maratona, vou para ganhar. A minha mente é focada em ficar no pódio, não gosto de perder”.

Rede de apoio

Morde Chapa não estaria correndo maratonas e mais maratonas em Salvador se não fosse o grupo Mania de Corrida Salvador, fundado pelo também atleta Júnior Cavalcante, treinador do sexagenário. Seu José entrou na comunidade há dois anos e lá registrava quanto corria diariamente.

“Ele postava: ‘hoje fiz 70 km’, ‘hoje fiz tanto’. E eu só pensava: ‘quem é essa pessoa, falando essas invenções? Correu isso tudo, coisa nenhuma’”, relembra Júnior. Decidiu pagar para ver. No dia 15 de novembro do último ano, convidou Morde Chapa para participar de uma corrida na capital, na Baixa dos Sapateiros. No torneio, se surpreendeu ao perceber que o idoso acompanhava seu ritmo de 13 km/h.

Desde então, não cansa de apoiar o amigo, que hoje o vê como um filho, inscrevendo-o em corridas e arrecadando itens que ele precisa. Foi o grupo que possibilitou a vinda de seu José e viabiliza a sua estadia, em Salvador, desde janeiro, quando se mudou de vez. Alugaram a casa, compraram uma cama, equipamentos e sempre ajudam nas compras do mês, através de rifas e vaquinhas.

A solidariedade dos amigos do esporte é fundamental para o idoso, que celebra a rede de apoio. “Eles me ajudam muito aqui, me motivam. Júnior é praticamente parte da minha família agora, eu sou muito grato a ele”, declara.

Para Júnior, a sensação não é diferente. A preocupação com o mais velho é evidente em cada movimento, assim como a admiração que sente por ele. Enquanto a equipe do Correio conversava com os dois, no cômodo rodeado por troféus, Júnior contava para Morde Chapa os planos para o próximo mês: só em julho, mais três corridas estão por vir.

Fora das rotas, os projetos também seguem a todo vapor. Agora, o grupo se junta para dar a seu José uma geladeira e um novo relógio, para registrar as distâncias percorridas. “A gente se mobiliza e sempre tem uns amigos que chegam junto. Ele merece. Deixa muitos novinhos no chinelo, é uma inspiração para nós. Esse homem, com essa habilidade, deveria ser estudado!”, exclama.

*Com orientação da subeditora Monique Lôbo. Fonte: Jornal Correio 

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