Envolvidos combinavam ataque por meio da plataforma Discord
Três homens foram presos, neste domingo (20), por planejarem executar um homem em situação de rua de forma brutal, transmitindo o crime ao vivo pela plataforma Discord em troca de dinheiro. Segundo a polícia, eles seriam os chefes do grupo, que praticava uma série de ataques de ódio na internet, principalmente contra negros, mulheres, adolescentes e animais.
Caio Nicholas Augusto Coelho, de 18 anos, Kayke Sant’anna Franco, de 19, e Bruce Vaz de Oliveira, de 24, — que se apresentava como ativista ambiental nas redes, participando até de eventos internacionais — coordenavam as atrocidades na plataforma. Entre os crimes incitados por eles, a Polícia Civil aponta maus-tratos a animais, indução à automutilação, racismo e incitação ao crime como forma de “entretenimento”. O estupro virtual — que consiste em chantagear, constranger e divulgar imagens íntimas de vítimas nas redes — também estava na lista de crimes estimulados por eles.
Em coletiva sobre a prisão do trio, o secretário de Polícia Civil Felipe Curi afirmou que o crime contra o homem em situação de rua estava previsto para as 15h deste domingo.
— Hoje, evitamos a morte de um morador de rua que estava sendo preparada para as 15h, em comemoração ao aniversário de Hitler (nazista alemão responsável por massacre a minorias durante a Segunda Guerra Mundial). Cuidem dos seus filhos, observem seus filhos. Veja o que eles estão fazendo na internet. Esse é o tipo de crime em que o inimigo está dentro de casa interagindo com seus filhos. Quando você dá conta, já é tarde demais — comunicou o secretário.
Ajuda do Ministério da Justiça
De acordo com delegada Maria Luiza Armínio Machado, da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima, o morador de rua ainda não havia sido definido, mas seria alguém que o grupo encontrasse próximo à residência deles. Ela reforçou que Bruce Vaz, que mora com a mãe em Vicente de Carvalho e não tem emprego fixo, é o nome por trás do servidor do Discord em que os crimes eram orquestrados.
— Bruce era o responsável por essa página, pelo servidor no Discord. Ele tinha ciência de quem acessava o perfil e participava das chamadas de vídeo, até porque os links de acesso eram passados para pessoas indicadas. Além do homem em situação de rua, também planejavam matar um coelho nesta Páscoa. Todo mundo que entrava na página tinha o intermédio dele — explicou.
A delegada explicou ainda que o homem era adepto de outras práticas cruéis:
— Ele costumava adotar gatos e dissecá-los. Na hora da prisão, uma carcaça de animal foi encontrada na casa dele. Quando chegamos ao local, a mãe não acreditou que o filho pudesse estar envolvido com casos do tipo. Já ele foi o tempo todo dissimulado, dizendo “Nunca fiz isso. Deus me livre”, mentindo de forma descarada.
Maria Luiza Armínio Machado explicou que a operação foi deflagrada graças a uma informação que recebeu do Laboratório de Operações Cibernéticas, do Ministério da Justiça, na última sexta-feira:
— Esses indivíduos já vinham sendo investigados. No entanto, na sexta-feira, surgiu um senso de urgência por causa dessa possibilidade de assassinato. A partir disso, conseguimos identificar quatro alvos. Desses quatro, dois são os responsáveis pela página: Bruce, o dono da página, e um adolescente de 17 anos. Para chegar a ser administrador de uma página, você já tem que participar dela há bastante tempo e ir praticando atos criminosos até galgar posição de poder. Então, isso significa que muito antes dos 17 esse menor já fazia parte desse tipo de ambiente. Caio e Kayke eram os que realizariam o atentado à pessoa em situação de rua — detalhou a delegada.
A investigação não conseguiu definir quantos membros a organização criminosa tinha, já que cada evento no Discord contava com um número determinado de pessoas, explica a delegada:
— Tinha eventos que chegavam a 150 pessoas; outros chegavam a 60. Então, não tem como precisar quantos fazem parte do servidor, até porque essas chamadas eram também difundidas por meio de links.
Questionada se os homens presos neste domingo têm relação com casos anteriores de ataques a pessoas em situação de rua, como o ocorrido no dia 18 fevereiro na Zona Oeste do Rio, Maria Luiza disse que não há ligação direta. Na ocasião, um adolescente de 17 anos foi apreendido após lançar dois coquetéis molotov em Ludierley Satyro José, de 46 anos, que dormia numa calçada da Avenida Germário Dantas, no bairro Pechincha. A cena foi transmitida ao vivo pelo Discord. Um militar, Miguel Felipe dos Santos Guimarães da Silva, de 20 anos, suspeito de planejar e filmar este ataque no início do ano, foi preso.
— Essas ações criminosas que aconteceram em momentos anteriores não têm vinculação direta com os membros deste servidor em questão (comandado por Bruce), mas a informação que a gente tem é que os membros deste servidor conhecem membros de outros servidores. Eles todos se conhecem e sabem em quais servidores essas práticas acontecem. Então, não são especificamente os mesmos membros, mas eles fazem parte de uma mesma comunidade — esclareceu a delegada.
A próxima fase da investigação, afirmou a delegada, será identificar os espectadores que doavam dinheiro para o grupo:
— Mais de uma pessoa fez pagamento em dinheiro para uma conta ligada ao grupo, via PIX. Agora, vamos aprofundar a investigação para chegar em cada um deles.
As prisões foram realizadas pela Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV) e pela 19ª DP (Tijuca), com apoio da Subsecretaria de Inteligência (Ssinte). Os mandados foram cumpridos em Vicente de Carvalho, na Zona Norte, e em Bangu, na Zona Oeste.
Em nota, a Polícia Civil destacou que “a instituição segue investigando outros membros do grupo e alerta os responsáveis por crianças e adolescentes sobre os riscos de exposição prolongada e sem monitoramento em ambientes virtuais. A operação reforça o papel fundamental da integração entre segurança pública, tecnologia e atuação proativa no combate aos crimes digitais”.
O Discord informou, por nota, que “tem políticas rigorosas contra atividades que promovam discurso de ódio, incitação à violência e compartilhamento de conteúdo prejudicial”. A empresa afirma que assim que toma conhecimento de conteúdos desse tipo por meio de nossas ferramentas de segurança ou por denúncias de usuários, toma “as medidas apropriadas, incluindo a remoção de conteúdo, banimento de usuários e o desligamento de servidores.”
“Também treinamos as forças policiais brasileiras e cooperamos plenamente com suas investigações, o que resultou em prisões bem-sucedidas em uma série de operações ao longo do último ano. A segurança é uma prioridade para o Discord e estamos comprometidos em proporcionar um ambiente positivo e seguro para nossos usuários no Brasil”, diz a nota da plataforma.
Fonte: Policia Civil