“De olho aberto para não virar escravo” é o nome da campanha desenvolvida pela Comissão Pastoral da Terra, que vê com preocupação a precarização do trabalho durante a pandemia provocada pela Covid-19 e a ausência de ação dos órgãos fiscalizadores-
DA REDAÇÃO I Cultura&Realidade
Avaliar a execução das atividades desenvolvidas e planejar as ações que serão realizadas ao longo do ano de 2021, foram os principais objetivos do encontro virtual realizado pela CPT – Comissão Pastoral da Terra, visando o monitoramento da Campanha de Olho Aberto para não Virar Escravo, que está sendo realizada pela organização.
Durante o encontro, ocorrido na terça-feira da semana passada, dia 15, foi acrescentado ao planejamento estratégico da campanha, o seminário sobre o Trabalho Escravo, a ser realizado nos dias 28 e 29 de outubro próximo.
Além de representações da CPT, participaram do encontro as seguintes instituições: Grupo de pesquisa GeografAR, da UFBA, OCA – Centro de Agroecologia e Educação da Mata Atlântica, Cineclube Mocamba, Rede de Agroecologia Povos da Mata, Ipeterras – Instituto de Permacultura em Terras Secas, o SINDREACS – Sindicato Regional dos Agentes Comunitários de Saúde e Endemias da Chapada diamantina e Piemonte e a CPP-Conselho Pastoral dos Pescadores, dentre outras.
A CAMPANHA
Com o título “De olho aberto para não virar escravo” a campanha de prevenção e combate ao trabalho escravo é promovida pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Através de diversos encontros virtuais, a campanha tem debatido com autoridades, especialistas, órgãos públicos e entidades ligadas aos Direitos Humanos, sobre a escravização do trabalho no Brasil, enfatizando, especialmente a precarização da mão-de-obra no período da Pandemia, provocada pelo Coronavírus/Covid-19.
Conforme as diversas reflexões ocorridas nos debates, durante a pandemia tende a se intensificar a exploração da mão-de-obra, por meio da escravização do trabalho. Esta conclusão se dá por dois fatores específicos: a crise social se aprofunda com a redução dos postos de trabalho, conduzindo as pessoas ao bolsão dos que buscam a sobrevivência, especialmente as famílias socialmente mais vulneráveis e as atividades fiscalizatórias de responsabilidade do estado praticamente não acontecem.
Paralelo a isso, o controle social, que normalmente acontece pelas ações preventivas de organizações engajadas que atuam no combate ao trabalho análogo àqueles que se fazem na condição de escravização, também estão escassas.
“Este cenário impõe à sociedade a obrigação em debater e repercutir, para combater, a cultura do trabalho escravo no Brasil” explica a ativista Sandra Leny, ao informar ao site Cultura&Realidade, os principais objetivos da agenda de diálogos promovidos pela Comissão Pastoral da Terra, em parceria com o Ministério do Trabalho e organismos parceiros.
Na semana passada, dia 15, foi realizado novo encontro da “Campanha de Combate ao Trabalho Escravo” em plataforma eletrônica. O encontro focou a avaliação das atividades desenvolvidas com a finalidade de averiguar se o trabalho escravo poderá se tornar uma epidemia por ocasião da Covid-19.
A ação teve início com a “Semana de Comunicação em Combate ao Trabalho Análogo à Escravidão”, que a CPT realizou no período de 10 a 14 de maio deste ano, no intuito de alertar aos setores que ofertam mão-de-obra, sobre estratégias para identificar e prevenir o trabalho escravo.
Durante toda aquela semana, foram divulgados diversos materiais informativos que refletiram os efeitos da pandemia sobre a escravidão contemporânea. No dia 13 de maio, dia em que se reflete a abolição (sic), uma live, transmitida nas redes sociais da CPT discutiu os impactos da pandemia do novo coronavírus e um potencial aumento da escravidão no Brasil.
A cientista social e professora Luzia Azevedo participa da agenda da Campanha de Combate ao Trabalho Escravo, promovida pela CPT, representando o Ipêterras – Instituto de Permacultura em Terras Secas. Para ela, o trabalho desenvolvido pela Comissão Pastoral da Terra está permitindo não só a divulgação dos casos que tem identificado criminosos que praticam a escravidão contemporânea, mas sobretudo informar e formar, uma vez que estabelece uma troca de conhecimentos significativos sobre esta prática, que só foi criminalizada no Brasil depois da abolição, mas que continua presente, por força da exploração e opressão humana.
“O esforço da CPT em reunir representantes de tantas regiões para tratar sobre este tema, é muito rico e demonstra a força da sociedade civil para este enfrentamento, pois é uma rede de troca de informações que nos fortalece na luta contra a exploração humana, em situação da escravização. Quando se resgata 60 pessoas que se encontravam em situação de trabalho escravo, você tem uma pequena dimensão deste grave problema, que revela o quanto o Brasil ainda é uma sociedade escravocrata, exigindo de todos um envolvimento forte para promover a dignidade humana”, avalia Luzia.
CONTEXTO – Publicações da CPT apontam que há 133 anos, o Brasil vivenciou uma suposta abolição da escravatura. Mesmo com leis e políticas públicas que objetivam combater esse tipo de exploração e violência, o trabalho escravo segue atingindo a população mais exposta às dificuldades para suprir as suas necessidades básicas, sendo a maioria negra, não letrada ou pouco letrada, mantida às margens da sociedade.
De acordo com a CPT, nos últimos 25 anos, entre 1995 e final de 2020, quase 56 mil pessoas em situação análoga à escravidão foram libertadas em todo o país. Em 2020, apesar das dificuldades da fiscalização em função da pandemia, foram identificados 112 casos de trabalho escravo no Brasil, que envolveram 1.390 pessoas e resultaram no resgate de 1.040 delas.
Um dos casos, que chocou o Brasil, foi o de Madalena Giordano, na cidade de Patos de Minas (MG). Mulher negra, foi escravizada desde a infância, durante 38 anos, pela família Milagres. Madalena não recebia salário e nem tinha acesso a direitos sociais, como a educação, suprimidos sob a alegação racista de que ela não se beneficiaria dos estudos.
EPIDEMIA DO TRABALHO ESCRAVO?
Ainda em suas publicações, a CPT chama a atenção para o fato de que, com o advento da pandemia do coronavírus, a vulnerabilidade social aumentou e, com ela, o número de trabalhadores que precisam se submeter a empregos mais precários, para alimentar suas famílias. “É nesse momento que a senzala contemporânea abre suas portas”, carimba a entidade, salientando que “quando uma pessoa é escravizada, ela é transformada em um objeto, sem direitos. A pessoa que escraviza, tem no lucro seu principal objetivo. A vitalidade do trabalhador é sugada, sua dignidade e liberdade negadas. Em momentos de crise socioeconômica e de aumento da pobreza, como vivenciamos hoje, o trabalho escravo tende a piorar”, diz um dos manifestos.
O QUE É O TRABALHO ESCRAVO?
O trabalho análogo à escravidão é crime e está previsto no Código Penal Brasileiro (CPB) em três artigos. O 149 diz que “reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto” pode resultar em pena de “reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência”. No artigo 203 do mesmo CPB consta, também, que “frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho, a pena é de “detenção, de um ano a dois anos e multa, além da pena correspondente à violência” e no 207 o texto do código diz que aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional a detenção é de um a três anos e multa.
ONDE DENUNCIAR TRABALHO ESCRAVO?
A CPT compreende que a sociedade precisa estar vigilante e informa que acolhe os trabalhadores e encaminha as denúncias aos órgãos competentes. As denúncias podem ser feitas também por qualquer pessoa ou organização social no Ministério Público do Trabalho, na Divisão Especial de Fiscalização do Trabalho, através da internet e na Polícia Federal ou na Polícia Rodoviária Federal. O disque 100 também recolhe denúncias de trabalho escravo.
MAIS INFORMAÇÕES, CONTATOS E SERVIÇOS
Se você pretende colaborar com as ações da CPT no Combate à escravização do trabalho, receber mais informações e os materiais da Semana de Comunicação em Combate ao Trabalho Análogo à Escravidão, entre em contato por meio dos números (75) 9 99663379, (99) 9 92058912 ou (63) 9 92219957.