Sob Lula, salário mínimo volta a ter ganho real, após estagnação nos governos Temer e Bolsonaro. Mas piso a R$ 1.320 ainda compra menos cestas básicas do que em 2018.
O novo salário mínimo de R$ 1.320 começou a valer nesta segunda-feira (01/05), representando uma alta de 1,4% ou R$ 18 em relação ao valor de R$ 1.302 que vigorava desde 1º de janeiro.
O reajuste acima da inflação havia sido uma das promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que com isso retoma a valorização do piso salarial, uma das marcas dos seus dois primeiros mandatos.
Mas quanto o salário mínimo se valorizou em cada governo, desde o fim da hiperinflação com a aprovação do Plano Real?
E qual o impacto do reajuste desse ano e do esperado para 2024 para as contas do governo?
Quanto o salário mínimo valorizou em cada governo
Quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) assumiu a Presidência em 1995, o salário mínimo valia R$ 70 e chegaria a R$ 240 no fim do seu segundo mandato, em 2002.
Sob Lula, foi de R$ 240 a R$ 545 em oito anos, entre 2003 e 2010. Sob Dilma Rousseff (PT), passou de R$ 622 a R$ 880, nos seus pouco mais de cinco anos de mandato, interrompidos pelo impeachment.
Michel Temer (MDB) assumiu o governo com o mínimo a R$ 880 e entregou a R$ 954. Enquanto sob Jair Bolsonaro (PL), o valor foi de R$ 998 a R$ 1.212.
Agora, sob o terceiro mandato de Lula, o mínimo começou janeiro em R$ 1.302 e passou a R$ 1.320 em maio.
Mas, para avaliar quanto o mínimo se valorizou em cada governo, não basta olhar para os valores nominais. É preciso descontar a inflação de cada período.
Para fazer esse cálculo, Daniel Duque, da FGV, deflacionou os valores do salário mínimo pelo IPCA, índice oficial de inflação do país.
Salário mínimo se valorizou sob FHC, Lula e Dilma, em diferentes níveis — Foto: Ricardo Stuckert/Presidência
E o que os dados mostram é que o mínimo se valorizou 30,5% no primeiro mandato de FHC e 7,3% no segundo, totalizando uma valorização real de 40% nos oito anos do tucano.
Lula registrou a maior valorização entre os presidentes que governaram o país após a hiperinflação. No seu primeiro mandato, a valorização do mínimo foi de 38,3% e no segundo, de 17,4%, totalizando 62,4% de ganhos acima da inflação em oito anos.
No governo Dilma, com o crescimento do país perdendo fôlego, os ganhos reais do salário mínimo também perderam força: foram de 12,4% no primeiro mandato da petista e 5,5% no segundo, somando 18,5% em seus pouco mais de cinco anos na presidência, até o impeachment.
Sob Temer e Bolsonaro, o país abandonou a política de valorização real do mínimo, passando a reajustar o salário base apenas pela inflação.
Com isso o piso estagnou, registrando variação negativa de 0,2% nos pouco mais de dois anos de gestão do emedebista e desvalorização real de 1,2% durante os quatro anos de Bolsonaro.
Agora, com os dois reajustes já anunciados por Lula em 2023, o mínimo voltou a ter ganho real: de 6,1% até maio, considerando a inflação projetada para o mês atual no boletim Focus.
Poder de compra em relação à cesta básica
Uma outra forma de avaliar o que aconteceu com o salário mínimo em cada governo é ver o poder de compra do piso em relação à cesta básica.
Utilizando o valor da cesta básica de São Paulo calculado pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Duque encontra que o poder de compra do salário mínimo cresceu 57,4% nos dois mandatos de FHC; 52,7% sob os oito anos de Lula; apenas 3,4% nos governos Dilma; 1,7% sob Temer; despencando 24,3% durante os quatro anos de governo Bolsonaro, em meio à forte alta do preço dos alimentos no período.
Com os reajustes anunciados por Lula, e diante do valor esperado para a cesta básica em abril e maio, o poder de compra do mínimo em relação à cesta básica volta a crescer este ano, em 10,4%.
Ainda assim, o salário mínimo de R$ 1.320 só compra atualmente cerca de 1,6 cesta básica, ainda abaixo das 2,2 cestas que eram possíveis comprar com o mínimo em agosto de 2018, ponto mais alto do poder de compra do piso em relação à cesta básica, registrado durante o governo Temer.
O que aconteceu em cada governo
“A política de valorização do salário mínimo sempre teve basicamente dois vetores, que são muito entrelaçados: a situação econômica e a situação fiscal do país”, observa Duque.
O economista lembra que, no primeiro mandato de FHC, houve uma combinação de bom crescimento econômico, com inflação sob controle. O salário mínimo também estava muito subvalorizado, após 20 anos de inflação alta e reajustes não proporcionais.
“Havia bastante espaço para fazer o reajuste, e o real supervalorizado contribuiu para uma menor inflação de alimentos, o que também aumentou o poder de compra do salário”, afirma.
Já no segundo governo FHC, o cenário se complica, com crescimento menor e piora da situação das contas públicas. Em 1999, é implantado o chamado Tripé Macroeconômico – conjunto de medidas que combinava câmbio flutuante, metas de inflação e metas fiscais.
“O maior controle fiscal pressionou para não haver tanto reajustes do mínimo [já que o salário base serve de referência para gastos públicos como aposentadorias, benefícios sociais e salários do funcionalismo]. Não houve perda real, mas também não houve grande valorização no período”, diz Duque.
Num cenário de retomada do crescimento econômico, Lula realiza em seu primeiro mandato a maior valorização do mínimo do período pós-Plano Real.
Por Thais Carrança, BBC