Segundo a Firjan, os bons resultados de 2022 foram puxados pelo IFGF Liquidez, o subíndice que mede o nível das contas em atraso de um ano para o outro – são despesas que um governo contrata num ano, mas deixa para pagar no ano seguinte. Quase 70% dos municípios registraram nota acima de 0,6 no IFGF Liquidez ano passado.
As prefeituras deixaram menos contas em atraso de 2021 para 2022 por causa das receitas recordes. O problema, segundo a Firjan, é que essas receitas foram infladas por um crescimento econômico melhor no ano passado e uma inflação elevada – a arrecadação tributária se beneficia de preços mais altos.
Entre os problemas, o economista destaca o excesso de gastos com pessoal e a dependência do repasse de recursos federais. As transferências federais contribuíram para inflar as receitas no ano passado.
O Fundo de Participação dos Municípios (FPM) distribuiu R$ 146 bilhões em 2022, um crescimento de 13% ante 2021, segundo a Firjan. A maioria (55,5%) das cidades ficou com nota abaixo de 0,4 ponto no IFGF Autonomia, que mede a capacidade de arrecadação própria.
Segundo Goulart, isso é um sinal tanto da concentração da arrecadação de tributos quanto do descasamento entre o estabelecimento de municípios, com a emancipação de determinada localidade e criação de burocracia – no Executivo (prefeitura) e no Legislativo (Câmara de Vereadores) –, e a ocorrência de atividade econômica em cada local.
Receita não cobre estrutura administrativa
O subíndice IFGF Autonomia aponta que 1.570 prefeituras não conseguem sustentar sua estrutura administrativa com suas receitas próprias. Significa que as receitas com os tributos municipais – o IPTU e o ISS, sobre serviços – são inferiores aos gastos com o custeio da máquina pública.
– Precisamos exigir do gestor eficiência no gasto. Só que o federalismo fiscal não ajuda. Há um incentivo para (a criação de) mais municípios, para receber recursos federais. E tem diversos gastos criados pelo governo federal que caem na conta do município – disse Goulart.
Na visão do economista, a Reforma Tributária poderá diminuir a concentração da arrecadação com impostos, aumentando a independência financeira das prefeituras. Só que, após o novo sistema de tributos fortalecer o caixa dos municípios, será preciso que a Reforma Administrativa flexibilize a aplicação desses recursos.
Goulart defende uma Reforma Administrativa que vá além de mudar as regras para a gestão do funcionalismo público e passe também por uma maior flexibilidade no Orçamento. As despesas mínimas obrigatórias com saúde e educação, definidas em lei, poderiam, por exemplo, ter uma “banda”, com mínimo e máximo.
Dependência é inevitável, diz especialista
Para o geógrafo e economista François Bremaeker, gestor do Observatório de Informações Municipais (OIM), esse descasamento entre receitas próprias das prefeituras e despesas obrigatórias com serviços públicos é inevitável.
Dada a distribuição desigual da atividade econômica pelo país, é impossível que as localidades pequenas, pouco povoadas, tenham movimento suficiente para sustentar uma prefeitura. Por outro lado, a concentração administrativa de vários distritos ou localidades numa sede pode prejudicar os serviços públicos.
– Há bastante tempo, fiz uma pesquisa, um questionário com os municípios que tinham sido recentemente criados, na década de 1990, sobre os motivos para a emancipação. E quais eram os motivos? O primeiro deles é o abandono da sede. Geralmente, um distrito se emancipava porque a sede pegava o pouco dinheiro que tinha e aplicava na sede, principalmente, esquecendo as vilas e os distritos – afirmou Bremaeker.
O especialista reconhece que a política de transferência de recursos federais, via o FPM, “junta a fome com a vontade de comer”, incentivando a criação de municípios e a estrutura administrativa correspondente. Por outro lado, pondera que diminuir o número de municípios não é necessariamente melhor. Isso poderia levar ao abandono dos serviços públicos nos distritos “esquecidos” e até incentivar a migração de moradores desses locais para as sedes.
O GLOBO