CEO do Parque Nacional de Iguaçu defende as parcerias público-privadas na gestão da patrimônio natural do país
CEO do Parque Nacional do Iguaçu, onde estão às cataratas consideradas uma das sete maravilhas naturais do mundo, Munir Calaça estará em Salvador nesta semana para falar sobre práticas sustentáveis na “Sala A TARDE” – grande novidade do II Congresso Brasileiro de Direito e Sustentabilidade, que acontece nesta quinta e sexta-feira, no Wish Hotel da Bahia.
Nesta entrevista exclusiva, Munir adiantou um pouco do que vai expor no evento. “O que eu quero levar é a importância da visão de um turismo sustentável exercido na prática”, diz o executivo, que defende as parcerias público-privadas na gestão dos parques naturais. “A agilidade nos processos e a expertise de entretenimento, de experiência do visitante, de hospitalidade são um legado super importante de uma concessionária”. Acompanhe essas e outras questões de turismo sustentável na entrevista que segue.
O senhor tem mais de 30 anos atuando com turismo sustentável e está à frente do Parque Nacional do Iguaçu. O que o senhor vai trazer dessa experiência para o meeting de Práticas Sustentáveis, promovido pelo A TARDE dentro do II Congresso Brasileiro de Direito e Sustentabilidade?
Primeiro, vai ser uma honra estar aí no congresso. Eu já atuo no setor de lazer e entretenimento há 33 anos. Cheguei aqui no Iguaçu e assumi como diretor-presidente em julho do ano passado. O turismo já tem na sua essência a preservação. Nenhum lugar vai prosperar, principalmente no turismo, se ele não tiver na sua essência a preservação. O que eu quero levar para todos os colegas da Bahia é a importância de uma visão de um turismo sustentável exercido na prática. O Parque Nacional do Iguaçu recebe anualmente dois milhões de visitantes. E isso melhorou o aspecto de sustentabilidade, inovação, pesquisa. Isso só turbinou depois, principalmente, de ser concessionado. Por quê? Porque essa parceria público-privada faz muito sentido. Foi uma das primeiras concessões e ocorreu em 1999. Ela se encerrou em 2022, quando teve o novo certame e entrou a nova concessionária que represento aqui, que é a Urbia + Cataratas S.A. A maior mensagem é isso – a importância dessa integração de negócio, mas também com o olhar muito refinado para preservação e para as melhores práticas de sustentabilidade.
O Parque Nacional do Iguaçu, como o senhor mencionou, foi uma das primeiras concessões de um parque natural no Brasil. Quais são as vantagens de se ter um grupo privado na gestão de um patrimônio ambiental tão importante?
Voltando um pouco, a primeira concessão foi com a Cataratas, uma empresa que tem um know-how muito grande nessa área ambiental, inclusive está à frente do parque de Fernando de Noronha, do BioParque do Rio e outros ativos como o Parque Estadual de Campos do Jordão. Em 2022 fez uma joint venture com a Urbia – que também é hoje um grande player desse segmento de turismo sustentável e está à frente do Ibirapuera e também dos cânions do Rio São Francisco, aqui em Cambará do Sul. As duas se juntaram para essa nova concessão. Você me perguntou quais são as vantagens. Primeiro, a celeridade que você tem num ente privado. O setor público tem um regramento que para o turismo, talvez não funcione. Porque no turismo você tem uma dinâmica que é diária, tanto de criação de novas experiências como de manutenção. Num local como o nosso, que recebe 2 milhões de visitantes, você tem muitos assuntos que surgem e tem que tomar decisões ágeis. Na gestão pública, por obedecer a Lei 8666, seria mais difícil. A agilidade nos processos e a expertise de entretenimento, de experiência do visitante, de hospitalidade são um legado super importante de uma concessionária.
Na prática, como se dá essa parceria com o setor público?
O Parque Nacional do Iguaçu funciona da seguinte forma: o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) é o gestor do parque. Ele é o responsável pelo ativo natureza e toda a fiscalização e governança é do ICMBio. Nós, da Urbia + Cataratas, somos responsáveis pela gestão da visitação do parque nacional. Somos responsáveis por vender o bilhete, receber os visitantes, transportá-los. Toda oferta de alimentos e bebidas, fotografias. Todos esses serviços são das concessionárias. Aqui, no Parque Nacional, somos três concessionárias – a Urbia + Cataratas; o Macuco Safári, que é o passeio de barco e uma experiência incrível; e o Hotel das Cataratas que é administrado pelo mesmo grupo da Louis Vuitton, que no Brasil também é dono do Copacabana Palace. Somos três concessionárias responsáveis pelo entretenimento e serviço do Parque Nacional. Sem o ICMBio, com a expertise dele ambiental, nós não teríamos o sucesso que temos hoje com o Parque Nacional, sendo reconhecido pelas práticas ambientais. São 185 mil hectares, é uma floresta realmente gigante. Só para você ter uma ideia, o corredor ecológico binacional tem 7.500 quilômetros quadrados.
O Brasil é líder em atrativos naturais, mas estamos apenas começando a estruturar esse setor. O que precisamos para avançar mais rapidamente?
Uma pesquisa recente feita pelo Instituto Semeia traz esse norte. A comunicação é um problema nosso. A gente precisa melhorar a comunicação dos parques. Por volta de 71% da população do Brasil já visitaram algum parque. Nós temos 29% de nossa população que nunca foi a um parque natural. A maior procura é por famílias que querem apresentar para os seus filhos a natureza, esse ativo ambiental que o Brasil tem. Acho que a comunicação é hoje o que nós mais necessitamos de posicionamento. Depois vem a infraestrutura. Acho que a infraestrutura para se chegar aos destinos é um empecilho tanto para o turismo de natureza como para o turismo em geral. Mas para o turismo e natureza ele é mais. Comunicação e infraestrutura são os dois maiores vetores. E, por último, o custo. A gente vive um momento de custos elevados de passagens aéreas e isso também impacta muito para os visitantes. Esses três pontos são decisivos para uma maior presença dos visitantes, principalmente dos brasileiros.
Países como a África do Sul, Costa Rica e os Estados Unidos têm parques conhecidos no mundo inteiro. Uma das metas do senhor como CEO é transformar as cataratas do Iguaçu em referência mundial. Como está este processo e quais são os parques que servem de inspiração?
Temos o privilégio do Parque Nacional de Iguaçu ser conhecido mundialmente, mas a gente ainda tem muito que percorrer. No ano passado, recebemos aqui visitantes de mais de 160 países. Foi um espetáculo em se tratando de Brasil. Em primeiro lugar, vem o visitantes do Mercosul, Argentina, depois Estados Unidos. Para você ter uma ideia, os Estados Unidos superaram o Paraguai, que tem uma força importante regionalmente. Depois nós temos França, Canadá, Portugal. Mas nós temos muito espaço para avançar. O trabalho que o Parque de Yellowstone, nos Estados Unidos, faz é referência. É um parque que tem um trabalho muito forte de família, de pesquisa, de visitação, mas também de conscientização. O Yellowstone é um parque que gosto muito. A África tem parques espetaculares. A Europa também. Portugal tem também criado excelentes parques naturais. Nós este ano aqui em Foz do Iguaçu começamos um trabalho através do ‘visit Iguassu’, de uma agência contratada nos Estados Unidos para fazer um trabalho de divulgação mais intensiva. A união do trade turístico aqui é muito forte e se inspirou muito na Bahia, que por muitos anos liderou e ainda continua liderando na divulgação do seu destino. A união hoje aqui em Foz do Iguaçu se espelha muito no que foi a Bahiatursa. Em toda aquela grandiosidade da Bahia nas feiras. A gente tem investido muito em tráfego pago, tanto na América do Sul, agora avançando para América do Norte com a mídia só nossa. No mercado regional a gente também tem investido muito na divulgação no Paraná, Sul, Sudeste, São Paulo. E agora mais forte nos Estados Unidos, Canadá e França. Queria destacar o trabalho da Embratur, que também foi super importante. A Embratur inclusive fez uma matéria exclusiva aqui do Parque Nacional que rodou nos telões da Times Square. Tem sido também super importante não só para nosso destino como uma referência para todo Brasil.
O Brasil tem uma legislação adequada para incentivar e fortalecer o turismo sustentável?
Sim, o Brasil tem um arcabouço jurídico muito avançado. As concessões são um exemplo disso. Tem espaço para melhorar é claro, mas hoje a gente tem um ambiente regulatório muito positivo. Nós estamos muito bem posicionados. Eu chamo atenção sempre para o Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos). Uma iniciativa que era para ser só para eventos, mas foi ampliada. Com muita felicidade, os deputados Felipe Carreras, Eduardo Bismarck, Efraim Filho e agora a deputada Renata Abreu na relatoria, estão trabalhando muito pela volta do Perse. Acho que o Perse é um exemplo do que o governo poderia fazer para incentivar o setor de turismo. O governo hoje está arcando com custo de R$ 5,1 bilhões, mas só os investimentos no setor de turismo em geral no Brasil, já passam desse número. Quando o governo põe o dinheiro, o empresário acredita e dobra esse recurso. O Perse foi um exemplo que o governo pode adotar como uma política de apoio ao segmento de turismo que vai ser sucesso total. No turismo, com R$ 12 mil, você gera emprego. É o cara da pipoca, do picolé, é a rendeira. São mais de 500 negócios envolvidos no turismo. Tem uma pesquisa da IAAPA (sigla em inglês de Associação Global para a Indústria de Atrações), que é a maior associação de parques do mundo, que revela o seguinte: a cadeia de turismo impacta mais de 500 outras cadeias de negócio. Olha a dimensão disso. Aqui mesmo, são mais de 700 guias. Mais de 700 famílias que geram negócios diariamente. O efeito colateral do turismo na economia é gigantesco. A indústria automobilística, por exemplo, é importantíssima. Mas você precisa de R$1 bi para gerar emprego, porque o investimento em equipamento e tecnologia é muito alto. No turismo não. Você gerou um atrativo, gerou um mini destino, você já tem o cara ali vendendo cachorro-quente, já tem a rendeira, já tem o acarajé, já tem aqui vendendo um artesanato no caso aqui famílias indígenas e assim por diante. O Perse, para mim, é o maior exemplo de um laboratório para que o governo siga com investimento num setor que pode se tornar.
O grupo prepara um investimento de quase R$ 600 milhões para os próximos cinco anos. O que vai representar isso para o Parque Nacional de Iguaçu?
São aproximadamente R$ 580 milhões que vamos investir. Você imagina o retorno disso. Estou falando de toda uma cadeia de fornecedores, de construção civil. Olha o que vai gerar de emprego e renda este investimento. Depois, tem o reflexo disso na visitação com ativo 100% renovado. Que setor no Brasil está investindo tanto? O parque nacional vai passar por uma revitalização total. Teremos toda a revitalização do centro onde a gente recebe os visitantes e faz toda a operação de embarque e desembarque. Teremos uma modernização das trilhas. E aqui tem uma novidade porque ela passa a ser acessível do início até chegar ao elevador. Você não vai ter mais escadas, não tem mais nenhum obstáculo para acessibilidade, será 100% acessível. Toda a área de elevador também será modernizada. Serão três elevadores com capacidade para 20 pessoas para cada elevador, talvez um pouco mais. A praça de alimentação atual será 100% modernizada e com novos atrativos, inclusive com o espaço homenagem ao Santos Dumont, que é o museu Santos Dumont. Ele foi o cara que deu o pontapé inicial para que o Parque Nacional fosse desapropriado. Mais dois municípios onde também está o Parque Nacional, que é o Polo Azul, em Rio Azul, e Silva Jardim, que é Capanema. Estamos falando aí de quase 100 quilômetros de trilha. A usina São João, que foi a primeira usina aqui de Foz do Iguaçu será revitalizada com café, talvez um restaurante mais estilizado. E nós temos mais duas opções de hotelaria que estão em processo de análise. Também estamos estudando a construção de um teleférico, um investimento de cerca de R$ 100 mil. É um novo parque. Agora, tudo com muita responsabilidade. Porque a gente estará construindo num ativo que é uma das sete maravilhas do mundo
O senhor falou da construção do Museu Santos Dumont. Qual é a relação dele com as cataratas?
O museu é uma justa homenagem que a gente fará à Santos Dumont. Quando visitou as cataratas, Santos Dumont ficou muito impressionado com a grandeza delas. E Santos Dumont, todo mundo sabe, era um cara disruptivo, totalmente fora da curva. O que ele fez? Quando saiu daqui, a ideia era voltar para São Paulo. Mas ele não voltou para São Paulo. Daqui, ele seguiu para o Curitiba para convencer o governador a desapropriar as terras que estavam em volta das cataratas. Para que tornassem elas públicas e todo mundo tivesse acesso. Imagina, isso foi em 1916. O Dia Nacional do Turismo, uma curiosidade que poucos sabem, é uma homenagem ao pedido que o governo do Paraná fez para desapropriar as terras aqui nas Cataratas do Iguaçu. É todo um link com o Santos Dumont. Mais uma vez esse gênio herói brasileiro nos conectando com coisas incríveis.
O senhor considera que o caminho para parques nacionais importantes como da Chapada Diamantina, aqui na Bahia, da Chapada dos Veadeiros, Lençóis Maranhenses, é também as parcerias público-privadas?
Eu não vejo outro caminho. A concessão dos parques traz uma dinâmica muito maior de crescimento de turistas e uma despreocupação total do governo porque você vai ter alguém especializado cuidando. Cada um do seu lado cuidando de um desenvolvimento superimportante e maior sustentabilidade. Porque você começa a envolver a comunidade da comunidade. Um exemplo agora, que acabou de sair uma licitação, e a Urbia + Catarata, foi vencedora, foi o parque de Jericoacoara, no Ceará, que é um exemplo super importante de parque que foi concessionado. Eu vejo com muito bons olhos. Os governos já estão com esse olhar diferente. O BNDES tem uma série de estudos muito avançados justamente para isso. Para que a gente tenha realmente uma oferta maior de entretenimento e principalmente das belezas naturais. Claro, sempre tudo com muita responsabilidade. O governo jamais vai perder o controle do ambiental. Isso está muito pacificado. Mas a parte de entretenimento e aquilo que é o papel do empresário, para o governo também é muito importante.
Muita gente ainda enxerga uma falsa oposição entre crescimento econômico e conservação do meio ambiente. Como o senhor enxerga isso?
Ainda há uma minoria que ainda mantém esse foco. Mas a consciência do brasileiro vem evoluindo diariamente. Isso tem sido intensificado nas escolas. O meu filho, o exemplo que a gente dá para ele é que o papel mesmo que esteja na rua é uma obrigação minha de pegar. Não é só do gari. O exemplo é que arrasta. Melhor do que privar as pessoas de conhecer, de visitar é permitir e colocar os limites. Isso é importante. Tem uma frase que gosto de repetir que é a seguinte: ‘Para que as próximas gerações possam conhecer toda a beleza da natureza do nosso país – incluindo o Parque Nacional do Iguaçu, que abriga as Cataratas – Patrimônio Mundial Natural, é fundamental que todos nós façamos a nossa parte de cuidar, preservar e conscientizar’. O que a gente precisa é esclarecer para as pessoas que, quando se entra num parque natural, você tem que mudar o seu comportamento, que já deveria ser diferente. Mas se você não tem, naquele lugar você tem que ter mais atenção ainda e principalmente um olhar diferente porque você tem animais, tem uma natureza que pode ser impactada. Trabalhar a educação é sempre melhor que restringir.
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